Estavam dois caçadores a caminhar ao longo de uma praia em Utqiaġvik, a cidade mais setentrional do Alasca, quando se depararam com uma cria de morsa ferida que não se conseguia mexer na areia fria.
Foi uma visão surpreendente porque as fêmeas de morsas são muito protectoras das suas crias – até as acariciam como os humanos – e raramente as deixam sozinhas durante os primeiros anos de vida.
A cria de 74 quilos tinha arranhões espalhados pela pele enrugada e estava desidratada, por isso os caçadores pediram ajuda. As autoridades responsáveis pela vida selvagem levaram a cria de avião até ao Alaska SeaLife Center, a mais de 1280 km, nesse mesmo dia de Julho, recorda Carrie Goertz, veterinária e directora de saúde animal do centro.
Goertz disse que a cria, uma fêmea, tinha apenas uma ou duas semanas de vida e estava muito mal nutrida. Uma manada de morsas do Pacífico tinha sido avistada na praia de Utqiagvik vários dias antes, lembrou, pelo que, ao que tudo dava a entender, a cria tinha sido abandonada ou algo tinha acontecido com a mãe.
Se não tivesse sido encontrada, a cria não teria sobrevivido muito tempo na praia sozinha porque precisava de protecção contra predadores e do leite rico em gordura da mãe, afirmou.
"Tinha muitos cortes e escoriações, mas é difícil saber exactamente o que aconteceu", afirmou. "Os cortes podem ter sido provocados por outros animais, mas também podem ter sido provocados pelas rochas da praia."
A equipa de salvamento sabia que tinha de ser rápida.
A cria de rosto doce lembrou aos trabalhadores a triste situação que tinham enfrentado um ano antes, quando outra cria órfã de morsa do Pacífico foi encontrada por um trabalhador do sector petrolífero a 6 km do oceano, na tundra do North Slope.
Goertz e a sua equipa trabalharam 24 horas por dia – incluindo mimos 24 horas por dia – para salvar a vida da cria, mas os seus ferimentos eram extensos e acabou por morrer devido a complicações de desnutrição.
Queriam que este caso fosse diferente.
Desde 22 de Julho que a cria – que ainda não tem nome – tem registado progressos impressionantes, avalia Goertz, referindo que a morsa pesa agora quase 95 quilos e adora aconchegar-se junto dos seus cuidadores e beber leite de quatro em quatro horas. A maior parte das suas escoriações já sararam.
Ainda assim, a cria precisa de alguém que esteja com ela 24 horas por dia para fazer de "mãe substituta".
Uma equipa composta por especialistas em morsas de todo o país está a ajudar a cuidar do animal. Essa equipa inclui trabalhadores do SeaWorld, do Jardim Zoológico de Indianápolis e do Point Defiance Zoo & Aquarium em Tacoma, Washington.
"Trata-se, sem dúvida, de um trabalho de equipa, com a ajuda de dezenas de pessoas", afirmou. "Todos acham muito gratificante cuidar dela – ela é muito afectuosa e gosta de toque, como um cachorrinho enorme."
Denise Higginbotham, especialista em zoologia do SeaWorld em San Diego, está entre as pessoas que viajaram para ajudar a administrar alimentos e medicamentos.
"Estive lá durante as duas primeiras semanas de tratamento e achei que ela era uma senhora atrevida, que é o que gostamos de ver nos nossos doentes", disse Higginbotham. "É impressionante como ela é fofa. Habituou-se imediatamente a qualquer pessoa que se aconchegasse ao lado dela."
A estimulação é importante para as morsas jovens, porque são animais sociais que se amontoam em grandes grupos para se manterem quentes na natureza, referiu.
Uma morsa fêmea adulta pode pesar mais de mil quilos e a cria resgatada está no bom caminho – já ganhou cerca de 20 quilos desde o seu resgate, afirmou Goertz.
Na natureza, as morsas fêmeas utilizam o gelo marinho como local de repouso para as suas crias enquanto mergulham para procurar caracóis e amêijoas no fundo do oceano. A perda do gelo marinho do Árctico devido ao aquecimento global é a maior ameaça para a espécie, de acordo com o Centro de Ciência do Alasca do Serviço Geológico dos EUA.
Goertz disse que o Alaska SeaLife Center cuidou apenas de 11 crias de morsa desde a sua abertura, em 1998.
"O esforço de cuidar da cria no ano passado foi um processo física e emocionalmente exaustivo – teve um declínio muito grave de forma rápida”, descreveu. "A cria que temos agora está muito melhor. Está a ganhar peso, está a nadar e é muito mais activa."
A morsa bebé está a ser acompanhada de perto e já progrediu o suficiente para que lhe seja permitido passar algum tempo sozinha durante curtos períodos, referiu Goertz.
Além disso, é alimentada e acariciada por membros da equipa veterinária para imitar a proximidade que teria sentido com a sua mãe. Como se habituou aos cuidados humanos, Goertz disse que a morsa não pode ser libertada na natureza e será enviada para um centro de vida selvagem ou um jardim zoológico algures nos Estados Unidos.
"Ainda não temos um nome para ela, mas estamos a trabalhar nisso", disse.
Goertz afirma que tem sido um prazer cuidar do cachorro de pele enrugada.
"Houve alguns dias de stress no início, enquanto esperávamos estar a satisfazer as suas necessidades, mas ela está mesmo a crescer", disse. "E, claro, ela é adorável. É muito gratificante vê-la a beber um biberão inteiro e depois dormir a sesta."
Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post