Do Irão à Coreia do Norte, os parceiros que alimentam a máquina de guerra russa

Moscovo prepara-se para receber mísseis iranianos, juntando-se aos drones enviados por Teerão. China e Índia asseguram fornecimento de componentes de dupla utilização, civil e militar.

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Edifício destruído em Lviv após um ataque russo com recurso a drones e mísseis STATE EMERGENCY SERVICE OF UKRAINE / VIA REUTERS
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A notícia, avançada na semana passada pela Bloomberg, de que o Irão se prepara para fornecer à Rússia uma remessa de mísseis balísticos, marca não só o mais recente capítulo do aprofundamento dos laços militares entre Moscovo e Teerão como também a capacidade de Vladimir Putin em manter a sua máquina de guerra em pleno funcionamento apesar das sanções aplicadas sobre a indústria de defesa russa.

Desde o início da invasão da Ucrânia, o Kremlin beneficiou directamente do aumento das parcerias técnico-militares não só com o Irão mas também com a Coreia do Norte, a China ou a Índia, estes dois últimos através do fornecimento de componentes electrónicos de dupla utilização, civil e militar.

Nos recentes bombardeamentos sobre cidades e infra-estruturas energéticas ucranianas, o mais devastador deles em Poltava, que causou mais de meia centena de mortes, a Rússia terá utilizado produção própria, os mísseis Iskander M, mas a chegada - iminente, segundo a Bloomberg - dos mísseis balísticos iranianos Ababil e Fath-360, com pessoal russo alegadamente já a treinar a sua utilização no Irão, servirá para aumentar ainda mais o poder de fogo de Moscovo.

A aquisição pela Rússia dos Ababil e dos Fateh-360, com um alcance de até 120 quilómetros, permitirá provavelmente que as forças russas ataquem alvos ucranianos próximos, preservando simultaneamente as reservas russas de mísseis produzidos internamente, como os Iskander, com um alcance até 500 quilómetros, para manter a pressão sobre as cidades e as instalações energéticas no interior da Ucrânia, segundo uma análise do think tank norte-americano Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês).

Até agora, o recurso à indústria bélica iraniana por parte da Rússia estava essencialmente focado no fornecimento de drones kamikaze Shahed, que Moscovo tem utilizado às dezenas nos seus ataques sobre as cidades ucranianas em combinação com o lançamento de mísseis, uma táctica que tem causado grandes dificuldades às defesas anti-aéreas ucranianas.

Mas existe o receio que a cooperação militar entre Moscovo e Teerão passe também a incluir o fornecimento de mísseis Fateh-110 e Zolfaghar, este último com um alcance - 700 quilómetros - superior aos russos Iskander e que poderia ser utilizado para atingir alvos em qualquer parte da Ucrânia.

Embora não seja de esperar que a Rússia fique sem os seus próprios mísseis tão cedo - a produção de armas essenciais para o seu esforço de guerra na Ucrânia aumentou drasticamente desde o início da invasão - numa guerra que se arrasta há muito mais tempo do que o Kremlin alguma vez previu, faz sentido que o Moscovo obtenha, onde quer que o possa fazer, o maior número possível de mísseis, como refere ao jornal ucraniano Kyiv Independent o analista Fabian Hinz, do International Institute for Strategic Studies.

“O Irão aumentou significativamente as suas capacidades nos últimos anos e pode fornecer os números que os russos querem”, diz Hinz.

Componentes electrónicos

O Irão é apenas um dos parceiros com que a Rússia pode contar. A Coreia do Norte, país que Vladimir Putin visitou em Junho, terá fornecido a Moscovo mísseis balísticos KN-23, que a Ucrânia diz ter usado pelo menos num ataque a Kiev em Agosto, a que se juntam milhares de munições de artilharia, segundo especialistas em defesa sul-coreanos citados num relatório do Center for Strategic & International Studies.

Ao mesmo tempo, a Rússia parece estar a contar com vários outros países, incluindo a Índia, a Sérvia e a China, para escapar às sanções ocidentais. Segundo noticiou esta semana o Financial Times, citando correspondência estatal russa, o Ministério da Indústria e do Comércio da Rússia concebeu em 2022 um plano para gastar quase mil milhões de dólares em componentes electrónicos críticos, incluindo alegadamente a possibilidade de construir instalações na Índia. De acordo com jornal britânico, a Rússia tem vindo a adquirir secretamente à Índia componentes electrónicos de dupla utilização utilizando “reservas significativas” de rupias indianas acumuladas pelos bancos russos graças ao aumento das vendas de petróleo a Nova Deli.

Também esta semana, o Presidente russo reuniu-se com o vice primeiro-ministro sérvio, Aleksandar Vulin, à margem do Fórum Económico Oriental (EEF), em Vladivostok. Putin e Vulin discutiram a eliminação das barreiras comerciais bilaterais para inverter o declínio dos níveis de comércio, com Vulin a declarar que a Sérvia não imporá sanções à Rússia e não permitirá que o seu território seja utilizado para acções “anti-russas”.

Já a China tornou-se no principal parceiro comercial de Moscovo, substituindo as importações oriundas da União Europeia perdidas devido às sanções. As remessas chinesas para a Rússia, que incluíam remessas de bens e tecnologias de dupla utilização civil e militar aumentaram cerca de 47% em 2023 em comparação com 2022 e 64% em comparação com 2021.

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