Quem quer aprender a fumar peixe?
Nuno Castro ficou famoso pelo seu salmão fumado, mas para os alunos da Escola do Gosto vai ensinar a fumar outras espécies que existem em abundância por cá.
Por razões misteriosas, não se encontram em Portugal peixes fumados de diferentes espécies. Dir-se-á que tal se deve ao facto de termos tanto peixe fresco à mão que não vale a pena fumá-los, que é, como se sabe, uma forma de conservação nos países nórdicos (o fumo e o vento gelado). Mas a verdade é que o país que tem tanto peixe fresco à disposição e tanto sistema de frio para o conservar é o mesmo que gosta de peixe seco da Nazaré ou do Algarve. Mais. O mesmo país rico em peixe pela-se por salmão fumado. Será que o problema tem a ver com questões de saúde? É duvidoso. Olhando para os consumos de carne de porco fumada em Portugal, nada nos mete medo. Enfim, um mistério.
Ora, como porque na Escola do Gosto gostamos de provocações, aceitou-se a sugestão de um produtor de vinhos para se fazer uma aula sobre fumagem de peixes com o chefe Nuno Castro, do Café Ceuta (Porto), alguém que não percebia nada do assunto, mas que, de um dia para o outro, ficou famoso com o seu salmão fumado. Salmão?! Pois, calma, já se explica.
Nuno Castro teve diferentes vidas profissionais até se apaixonar pela cozinha. Como acontece quase sempre nestes casos, a leitura de livros de receitas antigas é recomendável. Certo dia, Nuno deu com um documento sobre a fumagem de peixe nas margens do Douro, em Gaia. Que peixes? Salmão e sável. É que, no tempo em que o rio era bem menos poluído e as barragens inexistentes, apanhava-se salmão e sável, que vinham desovar. No Douro e no rio Minho. Mas o que chamou a atenção do chefe foi que as técnicas de fumagem usavam serrim de aduelas de pipas de vinho do Porto (coisa que já explicámos aqui na Fugas para o caso do sável e que voltou a ser feito nas caves da Ferreira e da Poças). E, claro não descansou enquanto não fez a coisa, até porque Nuno Castro, que tem 65 anos, lembra-se de, quando jovem, ir com o pai às quartas-feiras às caves da Barros para comer salmão fumado em barrica, “no tempo do senhor Manuel Barros, pai do actual Manuel Barros”.
Em 2013, estava ele sentado numa mesa à porta de um restaurante seu do Porto, na Rua das Flores, a provar umas fatias do salmão fumado, quando um casal de ingleses se aproximou e perguntou se podia provar o peixe. Nuno acedeu, eles gostaram, comentaram umas coisas entre si e perguntaram se podiam fazer umas fotos. “Eu disse que sim e fiquei para ali entretido com eles. Tempos depois aparece-me por lá uma revista que tinha duas páginas dedicadas a mim e ao meu salmão. Era a primeira revista de bordo da Ryanair dedicada ao Porto. Eu que nem sabia o que era a Ryanair.”
“Mais tarde, apareceu no Porto um americano que gostou do salmão e perguntou-me se eu não me importava de ir servir o peixe a Lisboa. Disse que sim, de maneira que acabei por ir parar à Lapa, a um palacete espectacular, que é a residência do embaixador dos EUA em Portugal. E foi desta forma que o meu salmão ficou conhecido. Fumar peixe começou por ser uma necessidade de servir coisas diferentes, mas evoluiu para uma coisa mais séria.”
Na aula, que decorrerá no Hotel Porto Palácio, no próximo sábado, dia 14, Nuno Castro vai ensinar a fumar não apenas salmão, mas também espécies como a enguia, o carapau, a cavala e uma ou outra coisa diferente e com gordura que a lota possa dar no dia. O chefe vai ensinar a preparar e a temperar os peixes e, claro, a fumá-los com as madeiras e os tempos correctos, que são sempre os factores críticos em todo o processo. No final, que contará também com o gravlax (salmão curado a frio em sal, açúcar, ervas e outros ingredientes), haverá uma harmonização com vinhos de diferentes perfis.
Fumar peixe tem que se lhe diga, mas também não é assim um bicho-de-sete-cabeças. Qualquer família norueguesa fuma peixe como uma família portuguesa grelha sardinhas ou carapaus. De resto, já participámos numa pescaria e fumagem simultâneas num fiorde a norte de Ålesund, na Noruega, em pleno inverno. Faz-se um furo no gelo e mete-se a linha com o isco. O primeiro peixe que se apanha — por regra arenque — é logo escalado e vai para uma geringonça que faz lembrar uma assadeira fechada. Na base desta coloca-se serrim de carvalho, espalha-se álcool e larga-se fogo. Depois, coloca-se o peixe na grelha, aí a uns quatro dedos de altura do serrim. Fecha-se a assadeira, as chamas apagam-se, mas o serrim continua a queimar (a fumar). Uma hora depois — consoante a altura do peixe — está pronto a ser comido.
Faz-se um intervalo, prova-se o peixe, bebem-se umas cervejas (muitas) ou aquavita (consoante o estado do tempo) e volta-se a pescar. Tirando a parte de uma pessoa ter, a dada altura, que se livrar da cerveja a céu aberto e com temperaturas a rondar os 15 graus negativos — com os noruegueses a recomendarem que o acto em si seja o mais rápido possível —, dir-se-á que foi uma manhã bem passada. No Porto Palácio, tudo será mais tranquilo, mais seguro e saboroso. Uma sarda ou um sarrajão são bem mais saborosos do que um arenque.
Inscrições para a aula de fumar peixe podem ser feitas em www.publico.pt/aulas/escola-do-gosto.