Todos os anos, em Janeiro, Yasmine Sharman reúne os amigos mais chegados num bar ou num restaurante em Londres e juntos celebram o nascimento do filho biológico de Sharman.
Não sabem o nome do menino de 4 anos e nunca o conheceram, mas isso não impede o grupo de aplaudir o rapaz que veio ao mundo com a ajuda dos óvulos doados de Sharman e dos métodos modernos de reprodução assistida.
Sharman, jovem de 26 anos que usa pronomes neutros, diz que não quer uma família tradicional, mas isso não foi impedimento para doar óvulos e, assim, ajudar quem lida com infertilidade. É artista de tatuagens, trabalha como assistente pessoal de pessoas com deficiência e afirma que doa óvulos porque quer ajudar as pessoas racializadas que estão a tentar ter filhos, mas não conseguem de forma natural.
Desde os 18 anos, que doa óvulos — e já soma 41 óvulos retirados em três processos de recolha. Sharman ainda quer submeter-se a mais algumas rondas antes da idade limite de 35 anos.
Sharman ainda estava a terminar o ensino secundário quando doou óvulos pela primeira vez. Vivia no norte de Londres, tinha vários empregos, e ficou a saber que a clínica de fertilidade onde acabou por fazer a doação esperava ansiosamente doações como a sua.
"Uma enfermeira disse-me que apenas 3% de todos os óvulos são de pessoas negras", disse Sharman que se identifica como "mestiça, com origens na Serra Leoa e Inglaterra". Foi assim que tomou a decisão: "Se o procedimento não me afecta muito, porque não fazê-lo mais do que uma vez?".
Os dadores asiáticos e negros estão sub-representados em comparação com a população geral do Reino Unido, de acordo com o mais recente inquérito publicado pela entidade reguladora da fertilidade do país, a Human Fertilisation and Embryo Authority.
Entre 2021 e 2022, das 3080 novas dadoras de óvulos, 2510 eram brancas, 140 identificavam-se como asiáticas e 90 como negras, de acordo com a HFEA.
A limitada diversidade das dadoras é um desafio que "os pacientes de minorias étnicas enfrentam para encontrar dadores que correspondam às suas características genéticas", escreveu a clínica onde Sharman fez a doação, numa publicação sobre a sua contribuição.
Cerca de três anos após a primeira dádiva, Sharman recebeu um e-mail da clínica acerca do nascimento do bebé.
"Quando soube que tinha nascido uma criança e que tinha tido impacto na vida de outra pessoa senti-me verdadeiramente especial; senti um tipo de felicidade que nunca tinha sentido antes", recorda.
Desde a sua primeira doação, tem partilhado informação sobre a sua jornada de doação de óvulos nas redes sociais, com o objectivo de encorajar outras pessoas racializadas a doar os seus óvulos. Sharman conhece pelo menos quatro pessoas que doaram óvulos por causa disso.
"Duas das minhas amigas e duas pessoas que conheci nas redes sociais disseram que doaram óvulos depois de terem sido encorajadas pela minha história", afirmou.
Sharman fala com inúmeras pessoas no Instagram e no TikTok, respondendo a todas as perguntas sobre o processo.
"É tão reconfortante para mim pensar que estou a encorajar outros a fazê-lo pela bondade dos seus corações, porque não o fazemos certamente pelo dinheiro", revela.
No Reino Unido, é ilegal pagar pela doação de óvulos, que, segundo a HFEA, deve ser "um acto altruísta". Contudo, Sharman recebeu cerca de 900 euros como compensação por cada procedimento, valor destinado a cobrir quaisquer perdas financeiras que uma pessoa possa enfrentar durante o processo.
Sharman quer que as pessoas saibam que o processo tem muitas etapas, "mas também não é difícil".
O processo dura entre 10 e 14 dias e começa normalmente no segundo dia do ciclo menstrual, segundo a HFEA. As dadoras injectam-se com hormonas e medicamentos para incentivar a produção de óvulos e, ao mesmo tempo, evitar a ovulação precoce. Os óvulos são normalmente retirados sob anestesia e o "procedimento demora cerca de meia hora”. É possível que se sintam “um pouco doridas depois”, refere a HFEA.
Depois de retirados, os óvulos doados podem ser fertilizados, criando embriões que depois são transferidos para o útero da pessoa que vai avançar com a gravidez.
Em 2020, a clínica onde Sharman fez a primeira doação telefonou para perguntar se queria voltar a repetir o procedimento.
"O facto de me terem telefonado implicava que alguém estava especificamente à procura de uma criança que se parecesse comigo", recorda. "Como é que eu podia dizer não a isso?"
A terceira doação, em Abril, foi também feita com intenções semelhantes.
Para já, Sharman não tem muitas informações sobre o seu filho biológico. No entanto, quando o rapaz fizer 18 anos, ser-lhe-á dada a opção de contactar Sharman — que se mostra muito contente para ver como será o seu filho, conhecer a sua personalidade e perceber se é a genética ou a educação que falam mais alto.
"Espero que ele entre em contacto", afirmou. " Até lá, continuarei a ajudar o maior número possível de casais."
Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post