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Oshagan retratou adolescentes que cumprem pena em prisões para adultos, nos EUA
Ainda não tinham cumprido 17 anos quando foram condenados a décadas de pena de prisão. A Poor Imitation of Death reúne os seus retratos e pungentes testemunhos, numa batalha contra a sua desumanização
Em criança, Peter era considerado um prodígio musical. Na Califórnia, onde cresceu, estudou sempre em escolas privadas e nutria um gosto pela escrita. Os seus pais eram vigilantes e cuidadosos. Nada disso impediu que, no início da década de 2000, Peter ajudasse um amigo a invadir uma casa. Quando, inesperadamente, o dono regressou, o adolescente feriu-o com um taco de golfe e fugiu do local.
Peter foi julgado em tribunal, acusado de invasão de propriedade e agressão com arma letal. A sua pena podia incorrer entre os 35 anos e a prisão perpétua, mas, por ser o seu primeiro delito, foi possível chegar a acordo para que cumprisse uma “pena reduzida” de 12 anos numa prisão para adultos. Quando foi encarcerado tinha 16 anos.
Liz foi vítima de abusos sexuais por parte do pai desde os nove anos de idade. Aos dez fugiu de casa e com 15 anos e meio, depois de quase cinco a viver na rua, foi presa, condenada por estar presente durante o estrangulamento de uma jovem, num edifício abandonado, na Califórnia. “Eu era apenas uma miúda assustada”, escreveu. “Já sei que me vão perguntar o motivo pelo qual não reportei. Eu não queria estar envolvida. Não queria estar a viver aquilo.” Ao não denunciar o crime, Liz foi considerada cúmplice do mesmo e condenada a 11 anos de prisão.
Duc cresceu num ambiente abusivo. Durante anos, foi vítima dos ataques violentos do pai, motivo pelo qual fugia de casa frequentemente. Cresceu desapoiado, sem aproveitamento escolar, envolvendo-se em brigas e rixas demasiadas vezes, demasiado cedo. Aos 16 anos, ao volante de um carro, seguia com os amigos para uma rixa quando um deles disparou um tiro na direcção do veículo que ia no seu encalço. Duc perdeu o controlo do automóvel, provocando um acidente. Ninguém ficou ferido, nem mesmo quem seguia no veículo anteriormente alvejado. O adolescente foi julgado e condenado a uma pena mínima de 35 anos de prisão.
Passaram mais de 20 anos desde que o fotógrafo Ara Oshagan retratou estes (e outros) jovens no interior de vários estabelecimentos prisionais da Califórnia. O livro que reúne os seus retratos, as suas histórias e os seus testemunhos escritos, intitulado A Poor Imitation of Death, nasceu apenas em Junho de 2024, mas o seu conteúdo não perdeu actualidade. “Pouco mudou no sistema prisional dos EUA nas duas últimas décadas”, escreve o artista no posfácio do livro de 150 páginas editado pela Daylight Books. “Os espaços prisionais e os encarceramentos em massa mantêm-se iguais. Dados estatísticos revelam que ocorreu um decréscimo no número de jovens e adultos em cárcere ao longo dos últimos anos, mas as taxas continuam a ser astronomicamente elevadas [em comparação a outros países].”
Oshagan trabalhou no projecto entre 2000 e 2003. A oportunidade de fotografar surgiu quando a documentarista Leslie Neale, amiga sua, rodava um filme no interior das prisões da Califórnia e o convidou a tirar partido da autorização de entrada que lhe havia sido concedida. O fotógrafo dedicou três anos ao registo daquela realidade, mas acabou por arquivar as imagens que havia produzido. “Coloquei o projecto de parte, mas ele amadureceu e evoluiu na minha mente e na minha imaginação durante muitos anos”, escreve. Uma questão ecoava na sua cabeça: “Estas crianças, que enfrentaram abuso, negligência, marginalização enquanto cresciam, tomaram más decisões quando mal sabiam como tomar uma decisão. Elas têm tanto potencial para trazer beleza e bondade ao mundo. Assim sendo, porque é que são afastadas [da sociedade] durante anos, décadas?”
Os EUA são o país que tem a maior população prisional per capita do mundo. “É um sistema criado para desumanizar e punir que apresenta 75% de taxa de reincidência”, escreve o fotógrafo que nasceu no Líbano, filho de imigrantes arménios que escaparam ao genocídio (1915-16), e cresceu nos EUA. “As prisões juvenis permanecem sobrelotadas e não investem na reabilitação. São, por norma, lugares perigosos onde o apoio à saúde, em geral, e à saúde mental, em particular, está abaixo dos padrões mínimos de qualidade.”
O livro é composto pelas fotografias de Oshagan, mas não só. O fotógrafo reuniu um conjunto de escritos e desenhos da autoria dos jovens que, em justaposição com o seu trabalho, formam um documento multidisciplinar onde a inocência, a revolta, o desespero, transbordam e se tornam materiais, íntimos, tangíveis para o leitor. As várias camadas abrem uma janela para o mundo interior dos jovens reclusos, permitindo ao leitor vestir a sua pele, considerar o que experienciavam sob o filtro da inocência que, porventura, já foi igual à sua.
Foi nos versos de Liz que Ara Oshagan encontrou o título para o projecto. Ela escreveu: “Quando os dias são despojados do seu significado e do seu sentido / e existimos apenas na fisicalidade, a vida torna-se uma pobre imitação da morte”. Para o fotógrafo que se dedica a histórias que tocam a "marginalização, o desenraizamento, a identidade, os legados de violência", o projecto está longe de ser apenas sobre o cárcere. “É sobre estabelecer ligações, é sobre quebrar barreiras de percepção, é sobre o processo de humanização dos jovens que são incessantemente e brutalmente desumanizados por um vasto sistema.”
Mais de 20 anos passaram e alguns dos jovens que Oshagan retratou já se encontram em liberdade. Numa manhã de 2023, o fotógrafo encontrou Peter, o adolescente que tinha conhecido e fotografado em 2001, num café, onde tinha marcado encontro. “Ele levantou-se, sorriu. Abraçámo-nos e rimo-nos, incrédulos. Tínhamos trocado dezenas de cartas ao longo dos anos, mas, a certa altura, perdemos o contacto”, conta. “Hoje, o Peter é casado, é pai de gémeos de cinco anos. Tem um negócio, trabalha longas horas. É um homem erguido e feliz. Disse-me que o duro período que passou na prisão o tornou no homem que é hoje – e aceita esse facto. Ri. É feliz. Disse-lhe que ele é formidável e senti a proximidade de uma ligação que já durava há décadas. E espero que ela se estenda no futuro."