O que gostava que me tivessem dito antes de ir para a faculdade

Sou caloiro, e agora? Numa altura em que quase 50 mil alunos foram colocados na primeira fase de acesso ao ensino superior, eis o que eu gostava que me tivessem dito antes de ir para a faculdade.

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Megafone P3: Sou caloira, e agora? Andre Rodrigues
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Estava eu a tirar o meu passe mensal numa loja Andante, como já é habitual, quando me deparei com os pais e avós que acompanhavam os seus “meninos”, estreantes nestas andanças próprias de quem prossegue uma vida académica rumo ao Ensino Superior, especialmente para quem é estudante deslocado. Lembrei-me do dia em que era eu e o meu pai que estávamos na longa fila, para tirar um Andante, já providos de declaração multiúsos e de toda a papelada necessária para o efeito. Lembrei-me de que senti um friozinho na barriga, foi o momento em que a ficha caiu: sou caloira, e agora?

Vinda de uma terrinha, como carinhosamente gosto de apelidar, a adaptação não foi, de todo, fácil. As diferenças eram gritantes na cidade: a turba, o ruído constante da vida quotidiana e a poluição não caíram muito bem a quem estava habituada a acordar com o chilrear dos passarinhos e a não ver mais do que cinco pessoas a caminhar na rua à noite num dia de semana. Ao mesmo tempo, entrei num mundo novo, apelativo. A cidade chama por nós, afia-nos os sentidos. Explora-a, percorre-a a pé, conhece-lhe as entranhas, para que se torne, gradualmente, um pouco tua.

Tudo estava a correr-me bem, até ao dia em que se acabaram as cebolas e não tinha um vizinho a quem as pudesse pedir. As pessoas pareciam bem mais distantes do que estava habituada. Não era suposto distribuir “olás” a cada desconhecido na passava na rua, como se faz na terrinha. Contudo, tive o grande privilégio de “atracar” na Invicta, terra de gentes boas. O Porto, mais padrasto do que pai, sabe receber os seus filhos bastardos. Possui, na sua dualidade, os encantos de uma cidade grande sem perder os traços de uma terra pequena. Não sou tripeira de gema, mas de alma. O Porto está em mim e eu estou no Porto. Carrego-o, para onde for, junto ao coração. Se entraste cá — e eu sou suspeita —, nada receies, serás bem recebido.

Vais sentir saudades de casa, dos teus pais, até do teu irmão, que não faz mais do que te chatear a cabeça, do teu cão, gato ou tartaruga. Vais sentir um desamparo, a falta de sabor a lar, mas lembra-te: terás sempre o teu porto de abrigo para te receber, de braços bem abertos, a qualquer momento. Estará sempre lá, quieto e imutável, a torcer por ti.

É normal sentires medo, tristeza e uma pitada de ansiedade que vem amargar o tempero à caldeirada. A vida no Ensino Superior revela-se bem mais desafiante do que estás habituado. Tens de estudar, mas também de dar conta das tarefas domésticas, planear e fazer refeições e, para alguns ainda, trabalhar. A faculdade é o tempo de cresceres, também a nível pessoal. Paulatinamente vais dar conta de tudo sem teres de ligar umas mil vezes à tua mãe.

Na questão da praxe, a doutrina divide-se, há quem a veja com bons olhos e quem a veja com aversão e desconfiança. Não é obrigatório frequentá-la, só se assim o desejares. Terás muitos outros grupos académicos para descobrir com os quais te poderás identificar mais. Explora-os e escolhe o que se adequa melhor a ti. Garanto-te que farás amigos à mesma, com ou sem praxe. Poderás também trajar com ou sem ela, não entres por essa pressão, fá-lo de livre vontade. Há um lugar para todos no meio de tanta diversidade. Vais encontrar o teu.

O maior conselho que te posso dar e que ouvi ao longo de toda a minha licenciatura é: “Quem só de Direito sabe, nem de Direito sabe”. Quem diz Direito, diz qualquer outra área que tenhas escolhido. Não deixes de praticar os hobbies que te dão prazer, procura novos e desafia-te! Vai para além do mundo académico. Não te amarres aos livros e esqueças que há todo um novo mundo de experiências à tua volta.

Não tenhas medo de interpelar os teus colegas, não penses muito na abordagem, simplesmente apresenta-te. Garanto-te que levarás amigos para a vida. Acima de tudo, sê tu mesmo, não cries uma personagem para impressionar e tudo irá correr bem. Por fim, não te deixes assustar pelos quatro anos de faculdade, porque esses cinco anos serão os melhores seis da tua vida. Humor à parte, não stresses se não acabares a tempo. Cada um tem o seu, mas dedica-te o máximo que conseguires. Serão certamente os melhores anos da tua vida.

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