Serra da Estrela, milhões de anos de paisagem natural e beleza pura

“Só íamos passar o dia à serra nos dias quentes de Verão, sabendo que lá encontraríamos menos dez graus de temperatura”, recorda a leitora Maria Goreti Catorze, que lá voltou para mais assombros.

Foto
Serra da Estrela Maria Goreti Catorze
Ouça este artigo
00:00
03:52

Naquela época, décadas atrás, chamávamos à serra da Estrela simplesmente 'a serra'. Tínhamo-la praticamente à frente dos olhos: 30km até ao maciço central separados por um vale atravessado pelo rio Zêzere. Mesmo assim, apesar duma distância tão curta (entre o Fundão e a Covilhã são 20km de boa estrada), subir até lá acima de carro era uma empreitada morosa. Os carros aqueciam pelo esforço do declive. Não o nosso, porque íamos tão devagar que era impossível sofrer percalços técnicos relacionados com a sobrecarga do motor.

A descida não era mais fácil, havia o perigo de derrapar e vir por ali abaixo descontrolado. Sempre achámos que a serra não era para frequentar no Inverno mas nos dias quentes de Verão. Por isso não me espanta a ironia certeira do Portugalex, grande programa de humor da Antena 1, quando enumera previsões infalíveis. Uma delas diz que neve na serra da Estrela é sinónimo de estradas cortadas. Parece divertido mas, antigamente, era só uma questão de bom senso. Agora passou a viver-se demasiado na versão turística da vida, como se as cidades e as serras se destinassem a ser apreciadas por quem quer passear de forma aventureira. Não por pessoas comuns que se resguardam em casa quando neva e saem para a rua quando faz bom tempo. Esse era o tempo em que não se faziam caminhadas lúdicas mas duros percursos a pé para chegar ao trabalho ou vice-versa.

Pois a verdade é que só íamos passar o dia à serra nos dias quentes de Verão, sabendo que lá encontraríamos menos dez graus de temperatura ambiente. Na Beira Baixa, entre Junho e meados de Setembro, o calor é abrasador. Quando começávamos a subir (ou a descer) sentíamos o efeito das diferenças de pressão nos ouvidos motivadas pela altitude, uma espécie de estampidos e sensação de tamponamento auditivo. Isso e uma brisa fresca impregnada do cheiro típico das ervas da montanha.

Foto
Maria Goretti Catorze

Aos poucos, a mata de pinheiros altos vai desaparecendo, dando lugar às pedras nuas de granito. Perto das Penhas da Saúde há sorveiras bravas (ou tramazeiras), que dão um fruto feito de bagas cor de laranja, maduras no mês de Julho. Há um postal antigo que as mostra na beira da estrada; noutro está o velho sanatório dos ferroviários, que era branco. Recentemente, quando ao fim de tantos anos de abandono se converteu numa pousada, pintaram-no de amarelo alaranjado, tornando-o quase indistinguível à distância. Do lado de cima está um posto de vigia de incêndios, num promontório que é miradouro sobre a Cova da Beira e o além. Daí desce um caminho íngreme de terra até Cortes do Meio. A ribeira das Cortes nasce ali perto, atravessando a tapada do falecido escritor Alçada Baptista, onde começa a formar os chamados poços, pequenas lagoas de água transparente encravadas no meio dos pedregulhos. Continua por ali abaixo, atravessa o Paul e desagua no rio Zêzere, que por sua vez desagua no Tejo. Mas esse é outro capítulo da serra.

Foto
Maria Goretti Catorze

Continuamos a subir até à barragem do Viriato, aspirando o aroma da vegetação rasteira do planalto, de onde já se avistam os cântaros, formações rochosas de granito que definem o contorno da serra do lado direito de quem sobe. Prosseguimos até à nave de Santo António, uma extensa planície a meia distância entre as Penhas da Saúde e a Torre (o ponto mais alto da serra). Está coberto de arbustos macios, o cervunal, bom para alimentar os rebanhos. Nos anos de 1970 era usada como acampamento selvagem de fim-de-semana pelas famílias dos concelhos limítrofes. Quando esta actividade foi proibida, a nave recuperou a sua beleza natural mas eu nunca deixei de sentir uma certa solidão quando lá passo. Sinto a falta daquela alegria das crianças a brincar e dos adultos que nos momentos de lazer também regressam à infância.

Foto
Maria Goretti Catorze

Depois é a subida vertiginosa até ao "alto da Torre", como diz o locutor da Volta a Portugal em bicicleta. Há rochas graníticas por todos os lados, os cântaros estão cada vez mais próximos. Estamos na serra da Estrela: milhões de anos de paisagem natural e beleza pura.

Maria Goreti Catorze

Sugerir correcção
Comentar