Os franceses e as Linhas de Torres
A terceira invasão francesa do reino de Portugal contada a partir de um francês, um inglês e um português. O primeiro veio por terra, o segundo por mar e o terceiro por convicção.
Um livro que alia o rigor ao humor, num assunto sério: a terceira invasão francesa do reino de Portugal. “Com diversos protagonistas, de uma, duas, quatro ou nenhuma pernas, em que se incluem militares, milícias, mulheres, crianças e incautos em geral; primeiros redutos, últimos redutos, telégrafos visuais, bocas-de-fogo, vacas, cavalos e asnos.”
É este o tom de um livro cuja “primeira pedra foi lançada na cidade de Bolonha, em 2019, quando Catarina Valença Gonçalves, da Spira, atirou a ideia à parede”, recorda ao PÚBLICO Ricardo Henriques, autor do texto. A Spira “é uma empresa especializada em projectos de revitalização patrimonial”, escreve-se na sua página de Linkedin, encimada pela frase “o património cultural é o nosso mundo”.
Para o redactor publicitário, “este livro é um épico”. Explicação: “Não pelo tom ou por ter um deus grego como narrador (spoiler alert) ou por ser um calhamaço com mais de cinco páginas, mas porque demorou cerca de quatro anos a edificar.” A pandemia de covid-19 fez demorar o processo.
Jean, John e João encontram-se nas colinas e montes a norte de Lisboa onde, “entre 1809 e 1810, foram construídas em total segredo 152 fortalezas ao longo de 85 km, divididas em três linhas de defesa que hoje simbolizam a resistência e a determinação portuguesas contra as tropas napoleónicas”: as Linhas de Torres. Agora monumento nacional, desempenharam um papel crucial num período que moldou o destino não apenas de Portugal, mas também do Brasil.
“A ideia de termos o ponto de vista de um francês, um inglês e um português fictícios, introduzindo numa história de reis e marechais uma realidade mais plebeia, existiu desde o início e nas visitas às escolas até nos tem permitido recuperar anedotas populares nos anos 1990. Devo confessar que me afeiçoei a estas personagens e até já pensei em prolongar a história do soldado caçador João”, conta Ricardo Henriques.
Jean é um ajudante de campo francês sob o comando do marechal Masséna e John um marinheiro britânico sob o comando do general Wellesley. As três personagens são apanhadas num turbilhão de acontecimentos gerados pelo ímpeto conquistador de Napoleão, que pretendia dominar a Europa pela força.
Especialistas garantiram rigor histórico e científico
“O livro resultou de uma encomenda da Rota Histórica das Linhas de Torres [RHLT], uma associação criada com o fim de promover a manutenção e a divulgação deste património”, diz ao PÚBLICO André Letria, o ilustrador e editor da obra.
A RHLT é composta por vários municípios, tendo cada um deles acompanhado a produção do livro através de especialistas, que garantiram o rigor histórico e científico de todo o conteúdo: Ana Machado (Arruda dos Vinhos), Maria João Martinho (Vila Franca de Xira), Marta Fortuna (Torres Vedras), Marta Miranda (Mafra), Natália Calvo (Loures), Sandra Oliveira (Sobral de Monte Agraço). Também a Associação Napoleónica Portuguesa se juntou à equipa, através de José Faria e Silva.
Ricardo Henriques diz a propósito deste acompanhamento: “Deram-nos toda a ajuda possível, fosse com documentação, visitas guiadas, esclarecimentos, entusiasmo e até paciência.”
André Letria faz saber: “O livro está integrado num conjunto de peças que concebemos para o público escolar, que inclui também um guia desdobrável com informação resumida sobre os sítios de interesse de cada concelho, um chapéu para construir oferecido aos visitantes dos centros de interpretação municipais e fichas pedagógicas para utilização na sala de aula.”
Acrescenta ainda que “esta ligação ao público escolar será prolongada através de digressões anuais dos autores, com visitas às escolas dos concelhos envolvidos no projecto”.
As visitas serão coordenadas e apoiadas pela Rede de Bibliotecas Escolares. Há a possibilidade, ainda não confirmada, de se criar uma exposição itinerante para circular pelas bibliotecas municipais.
O autor do texto diz que, apesar de este ser um livro para o público infanto-juvenil, não quiseram que fosse um livro facilitista, “que apontasse o dedo aos maus e idolatrasse os bons”.
E conclui: “A realidade, como as pessoas mais atentas sabem, tem muitas cores, algumas receitas e umas quantas expressões que merecem ser descobertas. Quem ler este livro poderá deliciar-se com a história por detrás da receita da chanfana, mas também perceber quem era o General Loison, o maneta mais famoso de Portugal, ainda hoje sinónimo de coisas pérfidas, apesar de não ter sido um homem assim tão terrível.”
Na contracapa, promete-se desvendar a origem de expressões como “ficar a ver navios” ou “ir para o maneta”. E o prometido é devido.