Como lidar com mentirosos compulsivos?
Pode ser inconsciente e resultar de outras patologias. A mentira patológica pode minar a relação entre duas pessoas e levar, no limite, ao corte e ao afastamento. Mauro Paulino ajuda-nos a lidar.
Quem nunca fingiu gostar do novo corte de cabelo péssimo do colega que atire a primeira pedra. A mentira faz parte das nossas relações sociais, seja para proteger alguém, evitar situações embaraçosas ou fazer alguém sentir-se melhor. É "um modo de sobrevivência" (e até há um dia dedicado a ela).
Mas e quando a mentira se torna insuportável? Quando alguém não consegue contar uma história sem exagerar, quando a mentira é desnecessária, mas sempre presente, quando já nem conseguimos confiar em nada do que o outro diz? Podemos estar perante uma situação de mentira patológica, ou mitomania. Não é um diagnóstico em si, mas faz parte do quadro de algumas patologias. O psicólogo Mauro Paulino diz-nos quais e ajuda a lidar.
A mentira é inerente ao ser humano? Quando é que se torna preocupante?
Sim, a mentira “faz parte das nossas relações sociais” e é até “um modo de sobrevivência”. No entanto, quando “a prevalência, intensidade e tendência” para mentir são exacerbadas, podemos estar perante uma “bandeira vermelha”.
Quando há uma tendência “intensa, quase compulsiva ou mesmo compulsiva de mentir repetidamente, na maioria das situações, sem motivo claro ou ganho aparente”, pode ser preocupante.
Muitas vezes, quem tem este comportamento não apresenta remorsos ou sente culpa das mentiras contadas, entrando na repetição do comportamento.
A mitomania é um diagnóstico?
Os manuais de diagnóstico de saúde mental não apresentam um diagnóstico formal de mitomania ou mitómano. A mentira aparece, no entanto, associada a outras perturbações psicológicas e surge como uma das características a ter em conta.
A perturbação de personalidade anti-social é uma delas, mas também se pode encontrar a mentira na perturbação de personalidade borderline, na perturbação factícia (a pessoa finge sintomas de uma doença) ou “em indivíduos que têm um registo de funcionamento de maior grandiosidade, de personalidade narcísica, que como têm uma auto-imagem muito inflacionada de si próprios, mentem para enfatizar os seus feitos e aquilo que conseguiram”, explica o psicólogo.
Porquê a mentira? O que pode trazer?
Depende da patologia que está associada à mentira compulsiva. “Um narcísico, apesar de inflacionar muito os seus feitos e de tentar passar uma imagem de grandiosidade, por vezes, o que está por trás desse modo de funcionamento é uma baixa auto-estima”, explica Mauro Paulino. “Há, então, recurso à mentira como mecanismo para se sentir melhor consigo próprio e promover aceitação social através do exagero da realidade”, continua.
Se estiver em causa “alguém com funcionamento mais borderline”, a instabilidade emocional pode, em alguns momentos, “ser exacerbada, exagerada, mentira, para chamar a atenção” — cujo objectivo é conseguir “atenção, simpatia ou pena dos outros”.
Quanto da mentira compulsiva é consciente?
“Pode dar-se o caso de ser um modelo de funcionamento quase automático”, afiança o psicólogo. “A pessoa já está tão programada na sua maneira de ser a actuar daquela forma que, se não for confrontada, convence-se daquela história e nem há sentido crítico em relação ao que é dito.”
Como identificar essas mentiras?
É importante olhar para as inconsistências nas histórias, “detalhes e especificidades” que vão mudando. Também “quando notamos que há um exagero e percebemos que aqueles eventos e descrições são mais improváveis do que verdadeiros”.
Às vezes, “mesmo quando apanhadas e confrontadas”, estas pessoas “tendem a modificar os factos para manter a aparente consistência” do que estão a dizer.
Devemos confrontar?
Sim, “sobretudo se for alguém do nosso relacionamento social”, com quem temos de lidar seja no trabalho, seja em casa ou na nossa vida pessoal.
O confronto deve ser feito de forma positiva, “de questionamento e até de apresentação dessas incongruências, ajudando também a pessoa a perceber que isso está a ter impacto em nós”, começa. Partilhar sentimentos pode “ser útil, em vez de estarmos simplesmente a dizer que a outra pessoa está a mentir”. Até porque, do outro lado, podemos encontrar uma (comum) reacção de agressividade ou de postura defensiva.
“Apresentar essas inconsistências, encorajar essa honestidade, vai exigir muita calma e paciência”, avisa o psicólogo. É também necessário que quem lida com alguém assim tenha “a capacidade de colocar limites e, quando chega ao ponto de estar em sofrimento, perceber se é necessário distanciar-se dessa relação”.
Como lidar?
Além do confronto positivo, já mencionado, pode ser necessário procurar ajuda psicológica — quer por parte da pessoa que tende a mentir, para perceber qual a questão de base que pode estar a favorecer este comportamento, quer por parte de quem lida com ele.
Pode também fazer sentido fazer terapia familiar, caso este “conflito” aconteça entre pessoas com relação familiar ou íntima.