A repressão global da imigração atinge os estudantes no estrangeiro — incluindo nos Países Baixos
Pedidos de visto para o Reino Unido, Canadá e Austrália caíram entre 20% e 30% em relação a 2023, após os países anunciarem medidas que restringem acesso de estudantes internacionais às universidades.
Os estudantes internacionais – há muito a galinha dos ovos de ouro para as universidades de países com economias avançadas – enfrentam um futuro cada vez mais incerto à medida que os governos procuram alvos fáceis para controlar o aumento da imigração.
No Reino Unido, um dos maiores destinos mundiais de estudantes estrangeiros, o Partido Trabalhista, enquanto oposição, prometeu manter a proibição de os estudantes internacionais trazerem dependentes para a Grã-Bretanha – a maior fonte de imigração desde 2019. Nos Países Baixos, o Governo propôs restringir o acesso de estudantes estrangeiros às universidades holandesas.
No Canadá, onde uma em cada 40 pessoas é estudante internacional, uma imposição governamental está a forçar as faculdades privadas a encerrar os programas. E na Austrália, onde esse rácio é ainda maior, com um em cada 33, o Governo propôs limites para as matrículas de estrangeiros nas universidades e está a atacar os “fornecedores duvidosos”.
O impacto já se está a fazer sentir – os dados agregados relativos aos vistos para o primeiro trimestre de 2024 revelaram que os pedidos de visto para o Reino Unido, Canadá e Austrália diminuíram entre 20% e 30% em relação ao ano anterior, de acordo com a empresa de serviços de colocação de estudantes e de testes IDP Education Ltd. registada em Sydney, que opera nos três mercados.
“Os estudantes são o grupo mais fácil de controlar em termos de números, é por isso que estão em primeiro lugar na lista de cortes e quem frequenta as universidades não é um eleitorado particularmente poderoso, por isso são provavelmente também um alvo político razoável”, disse Andrew Norton, professor na Universidade Nacional Australiana, em Camberra.
O Partido Trabalhista de Keir Starmer pôs fim, no mês passado, a 14 anos de governo conservador no Reino Unido e ainda não definiu a sua política de imigração desde a vitória esmagadora nas eleições de Julho. O Canadá e a Austrália têm eleições marcadas para os próximos 14 meses.
Os governos estão a apresentar estas medidas como uma forma de melhorar a qualidade do ensino e de acabar com a possibilidade de fraude. Mas os críticos das medidas afirmam que elas têm também motivações políticas, uma vez que a pressão sobre o custo de vida e a escassez de habitação, desde a pandemia de covid-19, provocaram uma reacção contra o crescimento das taxas de imigração.
A educação internacional representa um negócio global de cerca de 182 mil milhões de euros, de acordo com a empresa de dados Holon IQ, sendo o Reino Unido, o Canadá e a Austrália três dos maiores mercados. A indústria é considerada uma exportação de serviços e gera benefícios económicos para além das propinas, uma vez que os estudantes pagam alojamento e despesas e, frequentemente, trabalham e pagam impostos nos países onde estudaram.
Os Estados Unidos estão a ganhar com a restrição noutros mercados. O país ultrapassou a Austrália e tornou-se o destino de estudo mais procurado pelos estudantes internacionais, de acordo com um inquérito do IDP a mais de 11.500 potenciais e actuais estudantes internacionais.
As matrículas de estudantes internacionais nos EUA aumentaram 11,5% em 2022/23 em relação ao ano anterior, elevando o total para mais de um milhão pela primeira vez desde a pandemia. Agora candidato à presidência, Donald Trump disse que apoia a concessão de um “green card” a todos os licenciados não-cidadãos de uma universidade americana, embora a sua campanha tenha dito mais tarde que o programa incluiria um processo de verificação rigoroso.
Mas noutros países os argumentos económicos sobre os benefícios de um sector de educação internacional em expansão estão a perder força em relação aos argumentos políticos, à medida que a maré eleitoral se volta contra a imigração.
Labour revê medidas do Governo de Sunak
As medidas do anterior governo para garantir que o sector é utilizado para a educação e “não como porta de entrada para a imigração” estão a ser revistas pelo novo governo trabalhista.
Durante a campanha, o ministro-sombra do Partido Trabalhista (Labour Party), Chris Bryant, garantiu que o partido – se ganhasse as eleições – não reverteria a proibição de os estudantes estrangeiros trazerem dependentes para o país. Mas, mais recentemente, a secretária de Estado da Educação do Reino Unido, Bridget Phillipson, afirmou que “durante demasiado tempo, os estudantes internacionais foram tratados como bolas de futebol políticas e não como pessoas valorizadas” e que esta situação vai acabar. “Não tenham dúvidas: os estudantes internacionais são bem-vindos no Reino Unido”, declarou.
O Reino Unido tem visto um número crescente de estudantes estrangeiros na última década, oriundos especialmente da China e da Índia, com o ano lectivo de 2021-2022 a registar um recorde de 679.970 estudantes internacionais.
Isso contribuiu significativamente para o financiamento das universidades, tornando-as cada vez mais dependentes das relações diplomáticas sino-britânicas e do crescimento económico indiano. O benefício económico total do grupo de 2021-2022 foi estimado em 41,9 mil milhões de libras (49,2 mil milhões de euros), de acordo com um estudo independente.
O Office for Students, a entidade reguladora independente do sector, afirmou que mesmo uma pequena redução do número de estudantes poderia levar 202 instituições, ou seja, 74% do total, a ter prejuízo. O anterior Governo encomendou um estudo para avaliar a utilização abusiva de vistos por parte de estudantes estrangeiros, mas encontrou poucos indícios desse incumprimento.
As empresas também sublinharam a necessidade de talento estrangeiro. Os executivos da Anglo American Plc, da Rio Tinto Plc e da Siemens AG estavam entre os signatários de uma carta que avisava o anterior primeiro-ministro Rishi Sunak de que as políticas de migração britânicas poderiam enfraquecer o sector universitário. As universidades britânicas sublinharam que as matrículas internacionais não diminuem o número de estudantes nacionais.
Nos Países Baixos, as limitações são notórias
Embora em toda a Europa o sentimento anti-imigração continue a aumentar, as limitações impostas aos estudantes estrangeiros mais notórias verifica-se nos Países Baixos, onde uma coligação apoiada pela extrema-direita promoveu uma política destinada a restringir o acesso dos estudantes estrangeiros às universidades holandesas.
As universidades holandesas eram famosamente favoráveis aos estudantes estrangeiros, com a maioria das aulas oferecidas em inglês e os estudantes estrangeiros a representarem um quarto do corpo discente do ensino superior. Mas a falta de novas habitações e a triplicação do número de estudantes estrangeiros na última década contribuíram para a escassez de alojamento para estudantes.
As universidades que enfrentam um excesso de capacidade decidiram, em Fevereiro, limitar o número de cursos ministrados em inglês e reduzir o número de matrículas internacionais.
A decisão das universidades é apoiada por um projecto de lei que ainda não foi votado no Parlamento, que visa limitar o número de estudantes estrangeiros no país, restringir o acesso de estudantes não europeus a determinados programas e proibir o recrutamento internacional activo em feiras para estudantes, excepto em sectores com grande escassez de mão-de-obra.
As grandes empresas holandesas, que dependem em grande medida de pessoal estrangeiro qualificado, fizeram soar o alarme relativamente a estas restrições, afirmando que poderão mudar os seus escritórios para fora do país, se algumas destas políticas anti-migrantes forem aprovadas.
O director do banco central holandês também alertou para o facto de os estudantes estrangeiros contribuírem significativamente para a economia do país. Cada estudante de países exteriores à UE, por exemplo, contribui com 96 mil euros para a economia holandesa durante os seus estudos, de acordo com o Gabinete Holandês de Análise da Política Económica.
“Parece que todas as portas se estão a fechar [no Canadá]”
No Canadá, os estudantes estrangeiros contribuem com mais de 22 mil milhões de dólares canadianos (14,6 mil milhões de euros) para a economia e asseguram cerca de 218 mil postos de trabalho.
Os novos decretos – incluindo uma redução de 35% na emissão de vistos de estudante este ano e a eliminação de incentivos como a elegibilidade para o visto de trabalho depois de terminarem os estudos – visam o subsector predominantemente ocupado por faculdades mais pequenas e menos conhecidas.
Munira Mistry, de 43 anos, receia perder o seu emprego como professora numa universidade em Toronto até Dezembro, uma vez que as medidas do Governo implicam uma redução de custos.
“Parece que todas as portas se estão a fechar”, disse Mistry, uma docente de Gestão de Projectos que chegou como estudante internacional da Índia em 2020 e ainda está a lutar para obter a residência permanente. “Estou de volta à estaca zero.”
No final do ano passado e antes de a restrição entrar em vigor, dez pequenas instituições tinham mais titulares de licenças de estudo internacionais do que a Universidade de Toronto, a instituição mais bem classificada do país.
Tal como na Austrália e no Reino Unido, as rendas aumentaram e os relatos de estudantes que se amontoam em apartamentos ou recorrem a bancos alimentares para sobreviver tornaram-se comuns. O líder da oposição, Pierre Poilievre, afirmou que iria condicionar o ritmo de crescimento da população ao ritmo de construção de casas, o que poderia resultar numa queda ainda maior das entradas de estudantes internacionais e dos níveis globais de imigração.
A Colleges Ontario, uma associação que representa os 24 estabelecimentos de ensino superior públicos da região, declarou que registou um “colapso” do número de alunos que entraram na Primavera que representa um quarto do total de matrículas nos estabelecimentos de ensino superior. Prevê-se um “impacto grave” no Outono, com perdas de receitas na ordem das centenas de milhões de dólares.
“Nenhuma organização pode absorver tais perdas sem cortes significativos nas operações”, afirmou a instituição num comunicado de Março, acrescentando que as consequências incluem “suspensões imediatas de programas e uma pausa nos investimentos”.
Na Austrália, legislação “apressada e mal elaborada”
Os riscos são ainda maiores para a Austrália, onde os estudantes internacionais contribuíram com 48 mil milhões de dólares australianos (28,9 mil milhões de euros) para a economia em 2023, tornando-se a principal exportação de serviços do país. Cerca de 55% desse montante é gasto em bens e serviços fora das universidades, com benefícios significativos para as pequenas empresas locais, de acordo com o think tank político Committee for Sydney.
De acordo com a S&P Global Ratings, as universidades australianas dependem dos estudantes internacionais para mais de um quarto das receitas operacionais globais, o que as põe entre as mais dependentes do mundo.
Os planos do Governo – que incluem limites de matrículas para algumas universidades e requisitos de construção de alojamentos – ainda não foram aprovados pelo Parlamento. Mas os estudantes internacionais já estão a ser confrontados com normas mais rigorosas, as rejeições de vistos estão a tornar-se mais comuns e algumas faculdades privadas estão a ser instruídas para deixarem de admitir falsos estudantes estrangeiros no prazo de seis meses, sob pena de perderem as suas licenças.
O valor do pedido de vistos de estudante internacional mais do que duplicou em Julho, para 1600 dólares australianos (965 euros), as mais caras do mundo, segundo o Group of Eight, que representa as principais universidades de investigação do país.
O plano da Austrália arrisca-se a reduzir as receitas das universidades, a limitar o financiamento da investigação e potencialmente afectar as suas classificações internacionais. Os grupos de pressão das empresas afirmam que esta medida provocará um défice de trabalhadores em sectores-chave.
As insolvências no sector da educação e formação na Austrália aumentaram quase 90% em Junho em relação ao ano anterior – o valor mais elevado de todos os sectores –, de acordo com os dados da Creditorwatch Pty Ltd, prevendo-se que a taxa suba nos próximos 12 meses.
A oposição australiana prometeu limites ainda mais rigorosos, sem especificar as suas propostas políticas. Os eleitores australianos deverão ir às urnas em Maio de 2025, com um sentimento contra a imigração acelerada – uma pesquisa em Maio mostrou que 66% dos entrevistados disseram que a entrada de migrantes em 2023 “era muito alta” e 50% queriam que o Governo fizesse cortes mais profundos na imigração.
Um inquérito parlamentar sobre a legislação proposta deverá informar o Parlamento até quinta-feira. Dado que a legislação proposta tem um apoio bipartidário, os analistas prevêem que seja aprovada pelo Parlamento este ano, embora as universidades possam ainda conseguir persuadir o Governo a atenuar algumas propostas.
“A migração está a tornar-se uma das principais frentes de batalha no período que antecede as eleições e o sector universitário está a tornar-se o bode expiatório”, afirmou Vicki Thomson, directora executiva do Group of Eight, na sua declaração de abertura de uma audição parlamentar que analisou a legislação proposta a 6 de Agosto. “Esta legislação apressada e mal elaborada é um exemplo clássico de adaptação da lei a uma política duvidosa.”