Obrigado, José Manuel Constantino

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Quando nos encontrámos naquele fim de tarde de Outono de 2012 estávamos longe de pensar que aquele momento iria definir o curso das nossas vidas durante mais de uma década.

Ele, com uma longa militância cívica e intelectual que o alcandorou à liderança das principais organizações do sistema desportivo nacional, atirou de rompante, como sempre foi o seu timbre:

“Fui abordado por um conjunto de pessoas com a intenção de me candidatar ao COP. Antes de tomar uma decisão sobre isso preciso que conheçam e se identifiquem com as minhas ideias”.

José Manuel Constantino, com quem mantinha uma colaboração em artigos e livros sobre desporto, bem como num blogue (Colectividade Desportiva) que havíamos fundado com outras pessoas com intervenção e reflexão sobre política desportiva, era alguém com quem amiúde tinha ideias díspares quanto ao futuro desportivo do país, e estava longe de ser uma personalidade que visse como agregadora do colégio eleitoral do COP.

“Preciso que ponha no papel as ideias para o futuro do COP. E quero-o a meu lado”

Assertivo e directo perante alguém não alinhado com a sua visão tornou o cenário demasiado sedutor e desarmante para recusar o desafio, tanto mais quanto me sabia crítico de um certo situacionismo e aversão dos principais protagonistas do sistema desportivo de então a assumirem um debate aberto e plural.

Sabia que ele era substancialmente diferente desse perfil de dirigente, e, por isso, as expectativas eram baixas.

Com uma base de apoio num conjunto de presidentes de federações desportivas que iniciavam o seu mandato – e o acompanharam ao longo destes anos -, Constantino apresentou publicamente, de forma magistral, as ideias que brotaram daquele repto de fim de tarde, para rapidamente gerar uma vaga de fundo que o conduziu ao seu derradeiro opus. A liderança do COP.

A partir daí o resto é história. Uma história pública, conhecida dos portugueses, e outra, privada, que ficará na memória daqueles que tiveram o privilégio, a dor e a angústia de a viver de perto. A História do Desporto em Portugal, essa, encarregar-se-á de dissecar o lugar deste homem que conheceu o seu requiem na Cerimónia de Encerramento dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, onde Portugal obteve resultados desportivos únicos desde a sua primeira participação nos Jogos em 1912, e os nossos atletas choraram a sua partida.

Em 11 anos, José Manuel Constantino teve um papel absolutamente incontornável para mudar o figurino de um país periférico e estruturalmente irrelevante no panorama desportivo, em muito mais do que as nove medalhas olímpicas alcançadas durante o seu mandato.

Fê-lo na intransigência de princípios – não os da propaganda à ética do gesto, mas da gesta da coragem em assumir decisões e em lutar pelas suas convicções nas trincheiras mais adversas. Em algumas destas batalhas saiu derrotado, mas jamais virou a cara à luta, inspirando assim todos os que serviram a Equipa Portugal, e muitos dos seus pares e colaboradores mais próximos.

Amiúde polémico, contundente e até inconveniente, não se vergava à captura por agendas políticas e, como escreveu em algumas das suas intervenções, foi mais um homem de causas do que um homem de casos.

Quando dele se discordava, procurava não impor as suas escolhas pelo estatuto da sua autoridade, mas pelo desfecho dos argumentos esgrimidos, mesmo nos últimos momentos onde as forças e a paciência lhe feneciam. Disso o país desportivo fica mais pobre, pois a dimensão e profundidade do seu pensamento sobre o desporto são incomparáveis. Disso ficarei irremediavelmente órfão.

O vazio que deixa na Travessa da Memória aos que o acompanharam nesta derradeira missão de uma vida de serviço ao desporto, aos colegas, amigos e às gerações de profissionais de educação física e desporto que ajudou a formar, poderá vir a ser tanto mais mitigado quanto soubermos, como ele soube, estar à altura das circunstâncias, preservando o seu testemunho e assim honrarmos a memória de uma figura ímpar do desporto e do olimpismo a quem muito devemos.

Obrigado!

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