Quanto mais se gosta da Viagem Medieval, mais dias se vai a esse que é o evento-mor de Santa Maria da Feira. A princípio, tudo é novo e estimulante, mas, ao fim de algumas visitas, começa a pesar aquela enchente de plebe, o volume da música e das encenações teatrais, as filas para comprar o petisco mais reputado da vila e a corrida por mesa vaga para todos os convivas.
Ora, como o cansaço dos mais adiantados não justifica o abandono dos que ainda rumam ao povoado e querem a companhia dos primeiros, aqui ficam dez propostas que, muitas vezes passando despercebidas no programa oficial da recriação, asseguram ao seu universo vibrante os devidos momentos de relaxamento e descontracção. Algumas destas sugestões envolvem conhecimento e manualidades; outras focam-se nas artes divinatórias e em prazeres hedonistas; todas têm potencial calmante, seja ele mais espiritual e introspectivo ou cómico e revigorante. El-rei D. Duarte não quer que lhes falte nada!
Cabeleireiro medieval
Logo no início da subida para o Castelo ou na rua que sai dessa avenida para o Convento dos Loios, há cabeleireiros medievais com propostas de tranças e penteados com nomes como “Gladiadora” e “Duquesa do Campo”. A preços entre os 3,50 e os 15 euros consoante a complexidade do arranjo e os adornos escolhidos (entre fitas, flores e arames de cor), os clientes usufruem daquela combinação de prazer táctil-visual-cerebral que começa com uma massagem capilar, prossegue para uma agradável imagem no espelho e termina com um lift de auto-estima. “Adoro que me mexam no cabelo”, confessa uma cliente da tenda Beleza Real, onde também há pinturas faciais para crianças e adultos. Tanto aí como na tenda Veia Artística, o serviço dura entre dez a 30 minutos e, se as donzelas não andarem em torneios ou pelejas de outra ordem, o penteado pode durar-lhes vários dias.
Tatuagem de henna
A meio da avenida do Castelo, junto ao bosque dos Pequenos Guerreiros, há um catálogo de arabescos indianos, desenhos árabes, símbolos egípcios, caligrafias e outros signos por onde escolher. Qualquer um deles pode ser executado por Vânia Teixeira, que, especializada em body art e maquilhagem artística, reserva para a Viagem Medieval as operações tácteis minuciosas e quase hipnóticas do aplicador de henna – mistura moída que, partindo da planta Lawsonia Inermis, permite tatuagens temporárias de tom castanho. Com opções entre os 3,50 e os 50 euros, o serviço implica duas horas de secagem para garantir um resultado sem borrões e durabilidade de uma a duas semanas, mas, durante os dez a 120 minutos de execução dos desenhos, seguir o trabalho minucioso da artista é uma oportunidade inevitável para descomprimir. “Sinto-me tão relaxada!”, confessa uma cliente, já de mãos em repouso sobre a almofada, a secar os seus anéis recém-pintados, com a pele acabada de rendilhar.
Banho de pés e massagem
Ao fim de 27 edições de Viagem Medieval, ainda há quem não conheça o oásis que acolhe os Banhos de São Jorge e o pecado de uns é a sorte de outros. Dinamizada pela mesma equipa de profissionais que gere as Termas de São Jorge, essa área temática esconde-se entre os muros altos e a densa mancha arbórea da Quinta do Castelo, dispondo junto a um lago os almofadões e cortinas de tule que ajudam a manter o bulício do evento fora dos portões da propriedade. Com preços dos 0 aos 3,50 euros, o bilhete de ingresso dá acesso a um banho pulverizado de pés, chá e performances de harpa, flauta e bailado ao vivo, tudo para ajudar a retemperar energias. Opções adicionais de 8 a 40 euros garantem ainda uma massagem pelos profissionais das Termas, assim deslocados do balneário contemporâneo em que trabalham durante o resto do ano para as grutas de acesso restrito onde a devida privacidade permite mimar pernas cansadas, ombros guerreiros, rostos pesados ou o corpo inteiro.
Oficina de unguentos
Alecrim, gualtéria, cânfora e lavandim são algumas das plantas a explorar na oficina de unguentos que o Museu Convento dos Loios realiza duas vezes por dia, mediante reserva prévia pelo telefone 256 331 070. A experiência é gratuita e, durante uma hora, os participantes ficam a conhecer melhor as plantas medicinais cultivadas pelos monges, seus óleos essenciais, perfis aromáticos e benefícios terapêuticos. Manuseando um almofariz ou outros utensílios para criar delicados bálsamos e pomadas, os aprendizes de boticário esquecem questões corriqueiras do quotidiano e, no final, têm a vantagem acrescida de ter concebido a sua própria pomada, especialmente adequada para maleitas como dores articulares e musculares.
Depilação a sílica
Pouca gente dirá que a epilação é uma tarefa relaxante, considerando que na maioria dos casos envolve bandas de cera cujo efeito obriga à aplicação de uma certa (ainda que mínima) dose de violência. Na Viagem Medieval, contudo, Laura Piñero recupera uma tradição das nossas avós para provar que depilação não tem que significar sofrimento e pode efectivamente descontrair: vende bolsas com oito luvas de sílica, que, manipuladas em movimentos circulares, removem o pêlo sem dor, enfraquecendo-o gradualmente e melhorando a esfoliação da pele. Nessa banca da Kuidarte não há o serviço depilatório completo e apenas se vendem kits de 30 euros, mas Laura faz sempre uma demonstração do potencial dos seus discos de lixa suave e o efeito é visível no imediato. Um bocadinho menos de pêlo? Um bocadinho menos de preocupação.
Escrita com pena e tinteiro
É uma novidade na feira franca da Viagem, a cargo da Lettera: de um lado, rolos de pergaminho têxtil com brilhantes nas pontas e cinco folhas de papel artesanal de algodão, na espessura ideal para escrita com tinta; do outro, uma secretária com penas de ganso, tinteiros de cinco cores e lacre derretido para selar cartas. Mesmo que não comprem os seus pergaminhos de 20 euros, Fernanda Rossi convida os interessados a sentarem-se perante uma folha branca e a nela escreverem com a pena “algo precioso, para entregar a uma pessoa especial ou guardar para o futuro”. Diz ela que “uma carta em papel é para sempre” e que os movimentos caligráficos, deixando menos margem a distracções, são “gestos mais reflectidos e conscientes, muito relaxantes também”. Disposta a mensagem pelo papel, o autor da missiva pode ir dar um passeio e regressar apenas quando a tinta estiver completamente seca, para então enrolar a carta sobre si própria e a selar na elegância do lacre.
Leitura de mãos
No Lago dos Feitiços há filas para sessões de astrologia, tarot e runas, mas mais hipnótica é a quiromancia, que obriga a confiar a palma das mãos ao escrutínio de quem lhe sabe ler as linhas e aventar interpretações. Um dos especialistas nessa prática milenar e comum a várias culturas é António Xavier, que, em dez a 15 minutos sob a luz intimista de uma tenda minimal, identifica mazelas do foro físico e espiritual, e recomenda os devidos ajustes de comportamento. “É preciso que a pessoa se disponha a escutar e siga o seu instinto”, diz ele, reconhecendo que, na maioria dos casos, quem o consulta já tem noção do que está mal na sua vida e precisa apenas de um incentivo à mudança. Mas, mesmo sem perturbações a assinalar, a experiência táctil supera a da adivinhação e, por 10 euros, pode motivar uma descoberta íntima. “Percebi como gosto que me tacteiem as mãos”, diz uma cliente. “Fechando os olhos, é quase uma sensação erótica”, diz outra.
Olaria na roda
No Museu Convento dos Loios também há uma roda de oleiro para quem quiser moldar uma pequena taça com recurso a 150 gramas de barro. A artesã de serviço é Ninoshka, que explica os procedimentos em causa e ajuda a corrigir a técnica dos dedos, após o que os aprendizes de olaria ficam a saber que, não havendo forno a mais de 1000 graus para cozer a peça, a opção é deixá-la secar ao natural uns cinco dias e depois evitar-lhe o contacto com a água ou impermeabilizá-la com cola branca. “Mexer no barro faz-nos entrar numa dimensão de calma e ajuda a abstrair a mente”, concordam vários elementos de uma família que fez o teste. Depois, é só ter cuidado no transporte e a pequena taça revelar-se-á particularmente útil para guardar louro, alhos e outros condimentos – “mas nunca sal”, porque a respectiva humidade criará fissuras na peça.
Chá marroquino e delícias turcas
Para os momentos em que apetece algo doce, a única opção entre as bancas da Viagem Medieval que não implica filas e tem área de estadia própria é a tenda de chá do Hocine Shebakia, na rua dedicada aos mercadores mouriscos. Com tapetes árabes nas paredes e no chão, bancos cobertos a tecido e pequenas mesas redondas em metal, a tenda é um refúgio com vista para o corrupio de gente e tem preços mínimos para um lanchinho com direito a copo em vidro colorido e aplicações douradas. A bebida disponível é sempre chá moruno, servido já com açúcar e vertido de boa altura sobre folhas de menta, e para trincar há as chamadas delícias turcas, esmeradamente confeccionadas em massa finíssima recheada com mel, noz, amêndoa, sésamo, caju e genuíno pistacho.
Animais para carícias capilares e abraços
A Granja dos Animais é dos sítios mais frequentados da Viagem Medieval, pelo deslumbramento que proporciona a muitas crianças citadinas que nunca viram tantas espécies ao vivo, mas, ainda assim, esse espaço garante algumas experiências que ajudam a descomprimir, como a visão contemplativa de patos em bando a chapinhar na água. Carlos Lopes gere essa minifazenda e diz que uma das propostas mais apreciadas pelos visitantes é, contudo, o contacto com os minicoelhos holandeses, que, em momentos de maior afluência, podem acariciar-se no colo dos tratadores e, em horas mais sossegadas, se aconchegam em regaços alheios, deliciando todos com a sua meiguice e pêlo macio. Já mais arrojado é o cafuné capilar a cargo dos minigalos do México, que, equilibrando-se sobre o couro cabeludo dos visitantes mais afoitos da granja, logo estabelecem o domínio desse poleiro humano para aí se lançarem a cantar, a inflar a crista e a exibir a plumagem. “Quem tem o galo na cabeça pode não relaxar tanto”, admite quem já experimentou, “mas é certinho que os seus amigos se vão divertir e rir-se, sem se porem a cismar em mais nada durante um bom bocado”.