Turquia avança com abate de milhões de cães vadios. Oposição denuncia “lei do massacre”
O Governo de Erdogan reforça que só os cães doentes ou agressivos serão abatidos. Os presidentes da câmara que não adoptarem a nova lei incorrem numa pena de prisão até dois anos.
O Governo turco anunciou, no início de Julho, que estava a ponderar avançar com um plano para diminuir os cerca de quatro milhões de cães vadios do país: iria capturá-los, levá-los para os canis municipais e abatê-los se não fossem adoptados dentro de 30 dias. O projecto de lei foi aprovado no Parlamento da Turquia, com 275 votos a favor e 224 contra.
A lei foi proposta pelo Justiça e Desenvolvimento (AKP), partido do Presidente Recep Tayyip Erdogan, e contou com o apoio do partido do Movimento Nacionalista (MHP) para ser aprovada.
Segundo a Associated Press (AP), Erdogan pressionou o Parlamento da Turquia a aprovar a medida antes do final do Verão. Ao mesmo tempo, a população turca e os activistas pelos direitos dos animais protestam contra o abate de cães errantes e ameaçam dissuadir turistas a visitar o país.
Em relação à nova lei, o Governo turco rejeita o abate indiscriminado de cães e reforça que só os que tiverem raiva ou outras doenças e os que mostrarem comportamentos agressivos serão eutanasiados. Já os activistas e o principal partido da oposição, o Republicano do Povo (CHP), acreditam que todos os cães vadios, saudáveis ou não, acabarão por morrer nos abrigos sobrelotados assim que o que apelidam de “lei do massacre” entrar em vigor.
"O projecto de lei é claramente inconstitucional e não defende o direito à vida", afirmou o líder do CHP, Ozgur Ozel, citado pela Reuters, acrescentando que vai recorrer da decisão junto do Supremo Tribunal da Turquia.
Ozgur Ozel destacou ainda que as câmaras municipais não têm capacidade financeira, veterinários ou abrigos suficientes para vacinar e acolher os cães até serem adoptados. Actualmente, escreve a mesma agência, a Turquia tem 322 abrigos com capacidade para acolher 105 mil cães errantes, um número muito aquém dos cerca de quatro milhões que o país estima ter. O partido propõe, por isso, que a Turquia aposte em campanhas de esterilização de animais de rua.
Segundo a AP, o CHP conseguiu grande parte das câmaras municipais da Turquia nas eleições autárquicas do início do ano e já fez saber que não vai implementar a lei. No entanto, o projecto de lei diz que os governantes que não cumprirem as novas regras incorrem numa prisão de até dois anos.
Partido de Erdogan diz que abate é um “pedido da nação”
O Presidente turco ainda não se pronunciou sobre a medida, mas em Maio já tinha dito que o problema dos cães errantes atingiu um “ponto insustentável”. Ali Ozkaya, do Partido da Justiça e Desenvolvimento declarou que a nova lei resulta de um “pedido da nação”, escreve a AP.
Num comunicado citado pela mesma agência, a ONG Humane Society International declarou que a morte e o sofrimento desnecessário destes animais “não é uma solução a longo prazo” e disse ter pedido por escrito a Erdogan para não avançar com a medida.
De acordo com o Guardian, na Turquia, graças a uma lei aprovada em 2004 pelo próprio Erdogan, os cães têm o direito de viver na rua e são muitas vezes alimentados pela população. Num inquérito feito em 2023 aos habitantes da cidade de Ancara, 80% dos inquiridos concordaram que os cães deveriam de ser retirados das ruas, mas rejeitaram o abate. Menos de 3% apoiou a morte destes animais.
O Governo turco apresenta como justificação para a nova lei os acidentes e ataques de cães errantes dos últimos tempos. Segundo a BBC, estes animais provocaram 3500 acidentes rodoviários nos últimos cinco anos que culminaram na morte de 55 pessoas e deixaram cinco mil feridas. A par disto, as doenças que têm representam riscos para a saúde pública.