Hoje é sim, amanhã é não. Como lidar com uma relação “quente e fria”?
A oscilação entre comportamentos de amor e de frieza pode levar a um grande sofrimento e pode ser sinónimo de abuso. Como identificar e lidar com o “quente e frio”?
“És quente e depois frio, és sim e depois não, estás dentro e depois fora, estás em cima e depois em baixo”: é mais ou menos isto que Katy Perry canta na música Hot n Cold, a referência necessária para falar deste tema. E fecha o refrão com um resumo da dinâmica de tantas relações: “Discutimos e acabamos, beijamo-nos e fazemos as pazes.”
Discussões são normais, saudáveis até, defendem muitos, mas isso não significa que qualquer discussão seja motivo para pôr em causa uma relação. Nem é saudável que num dia seja tudo amor e, no seguinte, nem uma palavra. São as dinâmicas “hot and cold”, quentes e frias, relações nas quais hoje está tudo (mesmo) muito bem e amanhã já está tudo (mesmo) muito mal.
Pode ser sem querer ou propositado, mas nenhum dos motivos significa que se deva aceitar esta dinâmica. A psicóloga Inês Melo ajuda a identificar este comportamento e explica como lidar com ele.
O que é uma dinâmica “quente e fria”?
Uma relação “hot and cold” caracteriza-se por “uma grande oscilação no comportamento emocional, afectivo, na forma como as pessoas se relacionam”, começa por enquadrar a psicóloga.
Neste tipo de dinâmicas, há dois “pólos opostos”: as fases quentes, “em que existem períodos intensos de proximidade, paixão, interesse, partilha”; e as fases frias, em que há “maior distância, frieza e desinteresse”.
O que pode provocar esta instabilidade?
Há causas intencionais e outras não intencionais. “Dentro das causas não intencionais, podemos incluir o medo do compromisso. Ou, outra coisa, cada vez mais típica com o crescimento das redes sociais e aplicações de encontros, é que se acaba por criar um medo do compromisso e uma dificuldade em lutar quando as coisas se tornam um pouco mais complicadas”, refere Inês Melo.
Além destas, podem estar em causa algumas “inseguranças pessoais e até procura de aprovação, seguidas de momentos de afastamento para uma protecção emocional”. Mas...
E se este comportamento for, na verdade, abusivo e intencional? Como perceber a diferença?
A resposta está “no grau de consciência” que tem quem o pratica em relação ao que está a fazer. É preciso ter atenção “à forma como a outra pessoa respeita ou não os limites que colocamos”. Como é que a outra pessoa reage quando impomos limites e dizemos que algo nos faz sentir desconfortáveis?
É importante também perceber “que intenção é que a pessoa traz nestes comportamentos”: “Se a intenção é proteger-se emocionalmente, porque está com medo do compromisso, é uma coisa; se a intenção é manipular-me, fazer-me ceder em coisas que eu não quero ceder, fazer-me sentir falta deste bombardeamento de amor seguido de períodos de afastamento para que eu ceda e faça o que a outra pessoa quer que eu faça, então podemos estar perante uma relação mais tóxica.”
Pode relacionar-se com uma personalidade narcísica?
Sim. Pode haver uma “sensação de grandiosidade em relação aos outros”, um comportamento típico de pessoas algo narcísicas, que pretendem “diminuir a pessoa com quem estão, fazendo com que ela não se sinta tão segura na relação, para que depois possa moldá-la e manipulá-la”.
Como lidar?
A primeira coisa a fazer é “estabelecer limites claros”. E depois, fazer o que muitas vezes é difícil: cumpri-los. “Temos muita tendência de ir arrastando limites. Pensamos que, se calhar, foi sem intenção, que não vale a pena falar, ignoramos red flags e achamos que numa próxima talvez não vá acontecer”, afiança a psicóloga. E a outra pessoa vê isso.
Assim, é preciso, depois de comunicar claramente os limites, sustentá-los e, em muitos casos, aplicar uma consequência caso o limite seja passado.
“É também muito importante o autoconhecimento, o perceber quais são os meus próprios padrões de comportamento e de pensamento, e porque é que eles me influenciam a ficar neste tipo de relações. E também para conseguir identificar quando é que isto está a acontecer.” A terapia pode ajudar a desvendar isso. Afinal, de que serve tirar o casaco se já vai arrefecer?