Parques aquáticos: um horror ou uma maravilha?

Os miúdos aprendem a gerir a espera nas filas, a tolerar níveis de ansiedade e de medo, a superarem-se num ambiente seguro. Descobrem que o medo é um óptimo aliado para fazer amigos.

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"Há qualquer coisa de verdadeiramente bom em não haver mais nada para fazer do que aquilo" EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Ana,

Descobri qual é o maior ato de amor e abnegação que uma avó pode fazer por um neto, sabes qual é? Levá-lo a um aquaparque no Algarve, com 35 graus à sombra, e milhares de pessoas por metro quadrado, acampadas umas em cima das outras. Isto quando a poucas léguas de distância existem praias de areia branca e mar sem cloro.

Não é a altura dos escorregas, nem os tubos e as montanhas russas que me metem medo, mas sim o calor, os gritos estridentes, as filas intermináveis, as piscinas sobrelotadas em que se espera pelo momento em que umas ondas simuladas saem de um glaciar de esferovite, e — claro — o terror permanente de que os miúdos se percam ou se magoem.

E se esse medo fosse só com os meus, já era suficientemente mau, mas estende-se a todas as criancinhas, já que estou sempre a antecipar que um vai escorregar para cima de um outro que se deixou ficar mais tempo para trás, numa prova de que os meus sermões sobre os pais demasiado protetores são de uma absoluta hipocrisia.

Espera, enquanto dedilhava esta carta no telemóvel, meti-me pela rua errada, e não faço ideia de onde estou. Imagino dirigir-me a um dos seguranças que te vai chamar pelos altifalantes do recinto a pedir à família de uma velhinha extraviada que a venha resgatar. Pronto, já vejo ali o nosso guarda-sol espetado no que foi em tempos um pedaço de relva, e uma das tuas filhas acena-me e parece tão feliz que me consolo com a ideia de que pelo menos o objetivo de criar boas memórias foi atingido.

Para ela, os ponteiros do relógio estão a avançar depressa demais, para mim parecem nem se ter movido desde que aqui chegámos, e falta ainda uma eternidade para nos porem daqui para fora. Mas acaba de me surgir uma ideia: desta experiência vai resultar uma proposta ao Governo da nação de uma campanha tendente a aumentar a natalidade em Portugal. As palavras de ordem da campanha rezarão qualquer coisa como: “Pense bem, se deixar a maternidade para os 40 anos, vai ter de andar em parques aquáticos até aos 60.” É que suspeito que só pais que sejam pouco mais de adolescentes é que podem divertir-se nestas coisas, tanto como os filhos.

Espera, tenho de interromper porque acabo de ver que subiste ao mais alto de todos e te preparas para te lançares dali sem pára-quedas, mas por muito que grite daqui o teu nome, vais fingir que não me ouves...

A sério, Ana, vais ter de me dar um galardão da melhor mãe/avó do ano por este dia!


Querida Mãe,

Fique a saber que o seu sacrifício valeu a pena porque o Mini E. fartou-se de dizer que a avó tinha andado com ele em três escorregas! Mas lamento informá-la que a sua análise da questão me parece completamente ao lado, porque li alto a sua carta a uma amiga, que é mãe, e ela não parava de dizer “Ámen” a todas as suas queixas. Diz que não a apanhariam num parque aquático nem morta, o que indica que o ódio ou o amor aos parques depende mais do temperamento do que da idade. Aliás, a mãe nem aos 20 aqui veio, sempre subornou os primos para nos trazerem.

Mas vamos ao que importa: Limpar o bom nome de uma ideia tão genial como a dos parques aquáticos, que me trazem tanta felicidade desde pequena. Não há nada para não gostar! É dos sítios melhores para estar com aquele calor, já que estamos sempre entre escorregas de água. Apesar do preço do bilhete, uma vez lá dentro posso ter o prazer de quando os meus filhos me perguntam de olhos a brilhar "Podemos andar outra vez?", responder "Podes andar as vezes que quiseres!".

É verdadeiramente divertido andar nos mais fáceis e é uma grande adrenalina andar nos mais difíceis (adrenalina-junky me confesso). Nem sequer as pessoas me chateiam já que, estranhamente, vão se tornando familiares ao longo do dia, para além de que é uma maneira espetacular de ver todos os modelos de biquínis e fatos de banho sem ter de fazer scroll no Instagram.

Em termos pedagógicos também não há melhor. Os miúdos aprendem a gerir a espera nas filas, a tolerar níveis de ansiedade e de medo, a superarem-se num ambiente seguro. Descobrem que o medo é um óptimo aliado para fazer amigos, já que perante o mesmo desafio damos por nós a falar com quem está próximo para nos distrairmos e procurarmos reforçar a confiança.

E depois há qualquer coisa de verdadeiramente bom em não haver mais nada para fazer do que aquilo. Estamos todos ali para o mesmo, grandes e pequenos, e isso traz uma enorme felicidade! Mas dou-lhe com todo o gosto um galardão, porque graças à sua presença e guarda dos mais pequenos, eu pude, por um dia, ser mais filha do que mãe.

Beijinhos


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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