A 6 de Julho de 2024, o novo primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, anunciou o fim do polémico projecto de deportação de migrantes para o Ruanda. Esta decisão revoga a lei aprovada na Primavera pelo anterior Parlamento, que autorizava tais expulsões para este país da África Oriental, sem opção de retorno ao Reino Unido.
Mais de dois anos após a invasão da Rússia na Ucrânia, que criou uma das maiores crises migratórias da história recente da Europa, e enquanto em Março de 2022 a ministra do Interior britânica Priti Patel declarava que "os ucranianos com passaporte já não precisarão de ir a um centro de pedido de visto", constata-se que a Europa aborda a questão das migrações de forma muito mais hostil quando se trata de exilados vindos de África ou do Médio Oriente do que quando provêm da Ucrânia. O contraste é gritante entre a proximidade amplificada de um lado, e a distância radical e ideológica do outro. Este acolhimento de dois pesos duas medidas não parece afectar os porta-vozes autoproclamados de um universalismo republicano, cuja indignação selectiva acaba por revelar, na realidade, um universalismo tão estreito quanto etnocêntrico.
Uma tal diferença de tratamento não pode deixar de intrigar e parece pôr em evidência uma forma de desumanização de certas populações assimiladas a refugiados de "segunda classe" que fogem de conflitos armados em África, no Médio Oriente ou na Ásia. Os princípios jurídicos e filosóficos de igualdade e não-discriminação apagam-se tristemente perante o medo irracional de uma invasão migratória.
Numa obra publicada em 2008, o filósofo francês Marc Crépon critica este medo do estrangeiro que assombra a Europa e leva os governos a condicionar a sua hospitalidade. Apoiando-se no pensamento de Emmanuel Levinas, Crépon faz da hospitalidade um princípio que pressupõe um trabalho ético sobre si mesmo. Segundo o autor, é tornando-se estrangeiro a si próprio que se pode dissipar o medo do outro e acolhê-lo sem condições. Embora este acolhimento represente um desafio, não deve de forma alguma constituir uma ameaça. Muitos fogem porque acreditam nos valores dos países onde esperam ser acolhidos. Assim, podem inspirar novas perspectivas sobre comunidade e convivência e podem ser os atores da reconstituição política e democrática nos seus países de acolhimento.
Segundo as estimativas da ONU e do Banco Mundial, 250 milhões de pessoas serão, até 2050, forçadas a exilar-se devido às alterações climáticas. Já hoje, as mudanças ambientais figuram entre os principais (se não o principal) motores de migrações e deslocamentos populacionais em escala global. Estas migrações forçadas que decorrem directamente das nossas decisões ecológicas e produtivas das últimas décadas constituem um desafio humanitário e geopolítico maior, no entanto esta questão tem sido frequentemente negligenciada e obscurecida na formulação e implementação de políticas públicas.
A questão em breve já não será se é possível acolher toda a miséria do mundo, mas como implementar os melhores meios para acolher estas migrações pelas quais somos em grande parte responsáveis, e construir um novo modelo de sociedade em torno destas novas culturas baseado na vida em conjunto.
No livro The Etics of Immigration, o filósofo canadiano Joseph Carens fornece algumas pistas de reflexão. O autor defende uma abertura das fronteiras referindo-se tanto a princípios democráticos (o igual valor moral dos indivíduos, o direito à livre circulação) como ao cálculo económico (os benefícios demográficos, para o mercado de trabalho ou ainda nas potencialidades de inovação). Na perspectiva do filósofo, o conceito de cidadania está destinado a desaparecer das sociedades ocidentais, sendo "o equivalente moderno do privilégio feudal". Um dia virá, diz-nos Carens, em que já não estará ligada ao facto de se ter nascido num determinado território.
Face a estes desafios prementes, o período actual e a multiplicação de refugiados climáticos constituem uma oportunidade para repensar as nossas estratégias de acolhimento. É crucial que deixemos de encarar a migração como uma ameaça, passando a vê-la como um elemento-chave na nossa adaptação aos desafios futuros. A Europa encontra-se numa encruzilhada decisiva: será capaz de superar as suas contradições e construir uma política migratória à altura dos desafios do século XXI?