Biblioteca Municipal de Tomar: Ler é uma forma de abrandar o tempo
“A leitura (...) obriga-nos a estar concentrados, a refletir, a questionar, e numa sociedade onde tudo acontece a uma velocidade vertiginosa o ato de ler torna-se contraproducente.”
“Uma terra com nome assim dá que pensar. Thomar, grafado à maneira dos séculos passados, hoje Tomar, parece que era o nome árabe do rio que atravessa a cidade e que se chama Nabão, outra estranha palavra aplicada a rotular uma passadeira líquida. Aceitemos que há sempre uma ponta de ordem e de mistério em tudo isto e que, por estes pormenores, é possível chegar, também, a algumas compreensões que sirvam o nosso tempo.”
Luíz Maria Pedrosa dos Santos Graça, Tomar – Roteiro Sentimental
Em Tomar – Roteiro Sentimental, Luíz Maria Pedrosa dos Santos Graça guia-nos pelos monumentos e edifícios emblemáticos da cidade, desenvolvendo uma narrativa sentimental e intimista, própria de quem ama a terra onde vive. O livro não aprofunda a história de cada construção, mas sim as emoções e memórias que esses lugares evocam. Publicado originalmente em 1999, esgotou rapidamente e foi reeditado em agosto de 2014.
“Situada quase no centro geográfico do país e na metade norte do distrito de Santarém, vive a terra tomarense, uma identidade secular que desafia o transitório e vai regando a sua memória com um vagar meticuloso, como só as terras de província sabem fazer. Espaço templário que D. Dinis manteve como cabeça da Ordem de Cristo, o seu valor estratégico exprime-se nas tradições castrenses aqui firmadas e nas persistências que sempre soube manter e projectar. Esta “notável vila de Thomar” (…) foi promovida a cidade por carta régia de D. Maria II, com data de 13 de Fevereiro de 1844. (...) O núcleo urbano, bem articulado com o rural das suas freguesias, atraiu gentes e sustentou virtudes talentosas”, pode ler-se em Tomar – Roteiro Sentimental.
É difícil pensar na notável vila de Tomar sem a relacionar com os Templários. Será este tema importante para a Biblioteca Municipal? “Sem dúvida, na medida em que é bastante procurada por estudiosos e investigadores, contribuindo significativamente para a sua divulgação e mediatização”, explicou-me a bibliotecária Maria Pereira, que trabalha há 25 anos na Biblioteca Municipal de Tomar com a sua missão bem definida: “A minha principal missão é a promoção do conhecimento e do acesso à informação, além de valorizar os livros como ‘lugares’ de saber por excelência. Porém, as bibliotecas públicas não devem limitar-se apenas à promoção da leitura, mas também destacar a importância de informar. As pessoas precisam conhecer os seus direitos, ter consciência social e assumir um papel crítico, exercendo a sua cidadania. A missão do bibliotecário é levar a informação aos cidadãos e ajustar o serviço da biblioteca às suas necessidades”.
A Biblioteca Municipal de Tomar desenvolve atividades para todas as faixas etárias, dinamizando projetos para bebés, crianças, jovens, adultos e idosos. “Oferecemos uma programação mensal na sala infantojuvenil, que inclui horas do conto, ateliers, oficinas e, durante as férias escolares, atividades pensadas para ocupar as crianças e as famílias. Em relação aos adultos, destaco o nosso clube de leitura, que se reúne quinzenalmente com cerca de 15 participantes”.
A bibliotecária sublinha ainda o projeto Mente Sã, direcionado para os idosos: “Neste projeto, mensalmente, duas das nossas técnicas visitam algumas IPSS do concelho, nomeadamente lares e centros de dia, onde desenvolvem atividades com idosos, sempre tendo o livro como ponto de partida. Aproveitamos estas deslocações para efetuar empréstimos às instituições, que renovamos conforme necessário. Atualmente, estamos a concluir o projeto Junta+, uma parceria entre a Câmara Municipal e as Juntas de Freguesia. Este projeto consiste na instalação de minibibliotecas nas juntas de freguesia e no desenvolvimento mensal de atividades com alguns idosos da freguesia que não tenham rede de suporte formal, combatendo assim o isolamento social”.
Durante a minha visita à Biblioteca Municipal de Tomar, notei um investimento significativo no espaço para crianças e famílias. “Tentamos tornar o espaço apelativo para que as crianças se sintam bem e gostem de vir à biblioteca e oferecemos materiais que estimulem o crescimento de uma personalidade ativa e criativa, pois é preciso brincar para aprender, e o livro deve ser um dos seus melhores brinquedos. As famílias frequentam mais a biblioteca ao final do dia e aos sábados de manhã para participar em atividades”, elucida a responsável.
E continua: “O público mais assíduo é a faixa etária jovem, que frequentemente estuda na biblioteca, e os adultos, sobretudo a partir dos 40 anos, que requisitam a maior percentagem de livros. Com a abertura da nossa sala multiusos, jovens em idade escolar utilizam cada vez mais a biblioteca como espaço de lazer, onde podem estudar, ler e estar juntos num ambiente seguro”, acrescenta.
Encontrei Maria Rodrigues e Daniela Alves, ambas com 19 anos, numa das mesas da biblioteca. Interrompi-lhes o estudo. Costumam vir à biblioteca? “Sim, venho muito para estudar e, esporadicamente, requisitar algum livro. Costumo ler, embora não tanto quanto gostaria ou deveria. Estou a tirar um curso de literatura precisamente pelo gosto pela leitura. Devo ler uma média de dez livros por ano”, explica Maria. Daniela acrescenta: “Eu estudo em Lisboa, então venho mais à biblioteca ao fim de semana, mas gosto muito de estudar aqui. Não requisito livros, mas leio muito em formato digital. Leio cerca de 50 livros por ano. Gosto mesmo muito de ler”.
E que género de livros preferes? “Gosto de diversificar, mas normalmente leio romances e livros de jovem adulto. Estudo ciência política e, às vezes, também leio livros sobre filosofia e política”, diz Daniela. Ambas cultivam o hábito da leitura desde pequenas, mas nem todas as pessoas com quem se relacionam são grandes leitoras. “Há quem goste muito e quem não, mas desde a pandemia noto que as pessoas começaram a ler mais”, continua a estudante de ciência política. E conversas sobre livros? “Claro, como leio muito, estou sempre a contar a história que estou a ler”, conclui.
“Há dois fatores que levam as crianças a gostar de ler: a curiosidade e o exemplo. Se uma criança vir, com alguma frequência, o pai ou a mãe a ler estará, certamente, mais desperta para o fazer também. E os professores também podem ajudar. O modo como se estudam e abordam os autores e as obras pode fazer a diferença. A leitura deve dar-nos gozo e a verdade é que muitas das obras de leitura obrigatória não são apelativas, pelo que o ato de as ler acaba por ser um sacrifício enorme. E esta situação agravou-se com o aparecimento das redes sociais. O neurocientista e escritor António Damásio afirma que ‘as redes sociais são uma das mais espetaculares causas do declínio da qualidade de vida’ e, por um lado acho que é verdade. As redes sociais são uma ótima ferramenta de trabalho e comunicação, mas não devem ser vistas como um ponto de encontro de amigos ou um local de partilha de questões pessoais ou emocionais. Nós entregamo-nos diariamente a uma partilha e consumo de coisas vazias, desprovidas de conteúdo, supostamente rodeados de amigos, mas cada vez mais sós e isolados. A leitura é precisamente o oposto, obriga-nos a estar concentrados, a refletir, a questionar, e numa sociedade onde tudo acontece a uma velocidade vertiginosa o ato de ler torna-se contraproducente”, opina Maria Pereira.
Abrandar.
Ler é uma boa forma de abrandar o tempo. Saí da biblioteca e sentei-me, ali mesmo ao lado, à sombra do Carvalho Jorge Paiva, um centenário carvalho-cerquinho que homenageia o jubilado botânico português e grande ativista em defesa do meio ambiente. Debrucei-me sobre Tomar – Roteiro Sentimental. Luíz Maria Pedrosa dos Santos Graça convida-nos a observar.
Observar. Outra boa forma de abrandar o tempo.
Partilho o início do capítulo As casas e as ruas:
“Tomar possui, no núcleo citadino, uma colecção de janelas e portas para todos os gostos, que abre com a famosa janela da chamada Sala do Capítulo, no Convento de Cristo. (…) Voltada a poente e rematando a primitiva sacristia da nave manuelina, é o mais profuso testemunho do gosto decorativo que tomou conta da arte portuguesa no século XVI. Mas impõe-se, também, que se aprecie o seu lado interior e se compare com outra colaça, a sul. Só então se percebe até que ponto de elaboração meticulosamente delirante chegou a capacidade manuelina de trabalhar a pedra. No núcleo urbano abundam os exemplares de janelas de canto, janelas com aventais de cantaria ou desdobradas em sequências avarandadas. Muitas delas possuem, interiormente, bancos de pedra”.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990