Diversas geografias numa só turma
Para se conseguir fazer desabrochar a diversidade é necessário trabalhar a interculturalidade, a interdependência, e, antes de tudo garantir a sobrevivência e a satisfação das necessidades básicas.
É importante perceber que na realidade de uma turma, nos dias de hoje, há diversos horizontes a montante. As geografias do mundo aparecem, por vezes, às dezenas numa sala de aula. As famílias de suporte a estes alunos existem apenas ou, muitas vezes, são estes alunos, o suporte das suas famílias.
Como interagem adolescentes que chegam e partem a meio do ano letivo, que se compreendem com dificuldade, que não têm suporte de estudo em casa, que trazem uma mochila pesada de tanta vida com tão pouca idade? A realidade das nossas escolas está diferente. Em cada turma temos crianças com uma bagagem sociológica abundante, rica em desafios e na maioria das vezes pobre em respostas a esses desafios.
A diversidade é uma riqueza quando se sabe tirar partido dela. Acontece que para se conseguir fazer desabrochar a diversidade é necessário trabalhar a interculturalidade, a interdependência, e, antes de tudo garantir a sobrevivência e a satisfação das necessidades básicas. Se estas condições não estiverem satisfeitas, não há como tirar partido da diversidade cultural. Como garante a escola, a satisfação dessas necessidades básicas? Como trabalham em conjunto, as escolas, as autarquias, juntas de freguesias, centros de refugiados, acolhimento a migrantes, entre muitas outras plataformas que se dedicam ao acolhimento daqueles que entram no nosso país?
As dificuldades de comunicação são a primeira barreira. Depois vem o acolhimento do grande grupo ou de alguém em especial. Só quando está garantido o bem-estar emocional e psicológico é que começa a haver lugar para o conhecimento e para o estudo. Em alguns casos não chega a acontecer. E, por vezes, quando a integração interpessoal acontece e não se consegue chegar à apropriação dos conhecimentos, assistimos aos comportamentos desadequados como forma de defesa e necessidade de sair da sala ou de fazer outras tarefas onde não se seja posto à prova daquilo que nada nos faz sentido.
A integração dos migrantes e refugiados nas escolas tem de ser alvo de atenção especial e adequada às necessidades e vivências de cada realidade, ou melhor, devia ser. Não há riqueza de diversidade sem estabilidade. Não há interesse em partilha, quando se sente medo. Não há comunicação empática quando não há interesse.
Alguns dos colegas destes alunos migrantes, que já são a segunda geração em Portugal, não têm também um ambiente social e de estudo favorável à integração plena naquilo que concebemos como escola. Não têm quem insista que devem estudar, que tenham com eles uma atitude positiva face ao estudo e à escola, uma posição optimista quanto ao futuro. Alguns estão entregues a si próprios quanto a horários, tarefas e cuidados. Existindo o indispensável, e faltando o que podia fazer a diferença na sintonia com a escola.
Para outros até existe mais do que o indispensável, mas a atitude de sintonia continua a não existir, quando por exemplo, se tiram férias a meio de um período escolar ou se falta às aulas para se ir cortar o cabelo, pois foi àquela hora que a mãe marcou o cabeleireiro. A vida fora das aulas é prioritária e a vida das aulas pode esperar, ou seja, continua a acontecer e vai-se gerindo, ‘nos entretantos temos umas aulas’.
Esta diversidade de posicionamentos face à escola, a par daqueles que cumprem com tudo o que é pedido e que põem a escola e o estudo dos filhos em primeiro lugar, torna esquizofrénica a gestão de sala de aula e de uma turma, para os professores e para os directores de turma. A dificuldade de critérios a estabelecer, torna a sua abrangência uma banda larga, em que as comparações são, por vezes, difíceis de explicar e de gerir. É verdade que não somos todos iguais e que a equidade veio substituir a justiça, o que não deixa de ser só por si penoso de explicar, quando questionado e posto em questão.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990