A “eterna preocupação”

Em termos de prognóstico para o futuro dos “eternos preocupados”, de facto, a idade não costuma ajudar: temos mais repertório de histórias trágicas.

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EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Ana,

Apesar do céu azul e sem nuvens, eu, Maria Isabel Stilwell assumo-me como uma “worrier”, traduzível do inglês por qualquer coisa como “eterna preocupada”. Fico com a impressão de que o meu cérebro é um para-raios que apanha todos os problemas que andam por aí perdidos no ar. E o pior é que não me limito a recolhê-los e a enumerá-los — sinto, igualmente, uma urgência absoluta em resolvê-los, presa à utopia de que, se me esforçar, vou ser capaz de conseguir que todas as pessoas à minha volta fiquem bem e felizes. Espera, Ana, falta acrescentar “em simultâneo”.

Não argumentes que é obviamente impossível, porque estou um bocadinho maluca, mas não tonta de todo. É claro que é uma miragem, mas a “doença” é precisamente essa: ter consciência de que, para o caso, a razão importa pouco.

Espera, ainda não acabei a birra. Falta dizer-te que esta síndrome piora visivelmente com a idade e com o facto de nos tornarmos avós, provavelmente pela simples razão de que a família cresce e estendemos as asas sobre mais pintainhos.

Diz-me, Ana, conheces algum antídoto para isto, para lá do chá de camomila?


Querida Mãe,

Bem... depois do chá de camomila há sempre o Valdispert. Depois disso um Xanax ou um Zoloft, acompanhado de uma terapiazinha, o que lhe parece? Antes que nos venham acusar destas birras serem patrocinadas por alguma farmacêutica, sublinho que estou a brincar. Exceto em relação à terapia, claro, e ao chá de camomila, evidentemente.

Falando a sério, em termos de prognóstico para o futuro dos “eternos preocupados”, de facto, a idade não costuma ajudar: temos mais repertório de histórias trágicas, temos mais pessoas que amamos, como noras, genros e netos. Temos mais amigos doentes ou com problemas mais graves. Já sabemos que nada nesta vida é garantido e que o sofrimento pode tocar a todos, e de um dia para o outro.

Mas espere, mãe, em contrapartida, também estamos conscientes de que sobrevivemos. Que mesmo as feridas mais profundas podem ir sarando ou, pelo menos, tornando-se mais suportáveis. Valorizamos cada vez mais a bondade e a empatia, oásis nos momentos mais dolorosos e traumáticos. Descobrimos que a passagem do tempo ajuda. Que a saudade pode ser insuportável, mas não mata, e vamos vendo com os nossos próprios olhos com há pessoas extraordinárias que não deixam que o desgosto as torne amargas. Sabemos que, mesmo do fundo do poço é possível, mais cedo ou mais tarde, voltar a ver a luz.

Infelizmente, aplicamos melhor estes ensinamentos à nossa própria vida do que à dos nossos filhos ou netos. Quando são eles que estão no olho do furacão, acumulamos angústias: sofremos por eles, sofremos com eles, sofremos por os ver sofrer, e ainda temos de gerir o sentimento de impotência por não termos uma varinha mágica que permita por tudo no lugar em dois tempos.

Mas, mãe, quanto a isto não há rigorosamente nada a fazer. É o preço a pagar pelo amor. O caminho deles, com todas as dores e alegrias, é só deles. Tudo o que podemos fazer é treinarmo-nos a permanecer ao seu lado, assegurando-os do nosso amor e constância. Só isso. Na certeza de que “só isso” funciona como a luz de uma candeia, que estremece, mas não se apaga nunca.

Beijinhos.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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