A imagem que ficará na História

As imagens de Trump após o atentado dizem quase tudo. Sobretudo uma, do fotojornalista Evan Vucci, prémio Pulitzer.

Reserve as sextas-feiras para ler a newsletter de Jorge Almeida Fernandes sobre o mundo que não compreendemos.
Ouça este artigo
00:00
03:36

O atentado falhado contra Donald Trump marca um ponto de viragem na campanha eleitoral americana e, muito mais do que isso, inscreve-se num contexto de extrema polarização, caracterizada por um regresso à violência política.

Entre tentativas de insurreição, que remetem para o assalto ao Capitólio no dia 6 de Janeiro de 2021, a multiplicação de teorias de conspiração e a posse generalizada de armas automáticas, não se pode excluir que os Estados Unidos estejam a caminho de uma explosão política – conforme indicam alguns estudos americanos.

A América tem uma longa tradição de violência política. Esta é presentemente mais forte na extrema-direita, mas surge também em franjas de extrema-esquerda. Um inquérito do Chicago Project on Security and Threats, da Universidade de Chicago, indica que que 10 por cento dos americanos seriam favoráveis à violência para impedir que Trump chegue à presidência; mas sete por cento dizem-se favoráveis à violência para reinstalar Trump na Casa Branca.

Mais de um terço dos presidentes americanos foram alvo de tentativas de assassínio. Quatro deles morreram, de Abraham Lincoln a John Kennedy. Alguns candidatos presidenciais foram assassinados em campanha, como Bob Kennedy em 1968. A última tentativa de assassínio foi contra Ronald Reagan, em 1981.

O que verdadeiramente preocupa não é uma tradição comum a muitos outros países: é o facto de ela se inserir agora num contexto de extrema polarização e de pensamento paranóico. Basta dar um exemplo: sete milhões de americanos consideram que os assaltantes do Capitólio eram verdadeiros patriotas. As condições para actos violentos são excepcionais em 2024.

Não é necessário que o falhado atentado contra Trump desencadeie uma vaga de violência, até porque coloca o candidato republicano em posição favorável. Mas alguns “tenores republicanos” atiram gasolina para a fogueira. Baste evocar o senador J.D. Vance, do Ohio, uma das possíveis escolhas para vice-presidente de Trump. Afirma ele que a retórica anti-Trump do Presidente Biden “levou directamente à tentativa de assassínio de Trump”. Outros dizem o mesmo.

Edward Luce, chefe da delegação do Financial Times em Washington, sublinha: “É correcto dizer que esta eleição existencial é muito mais preocupante do que antes. A violência já estava muito implícita na retórica. Agora é explícita. As condições são excepcionais em 2024.”

Quem beneficia?

Assinalava ontem a Economist que “em Washington, o consenso é que Trump é o favorito a vencer a eleição presidencial. A tentativa de assassínio apenas reforçará esta tendência”. Trump começa a ter uma clara vantagem nas sondagens, sobretudo após o fiasco de Biden no debate.

Em quatro meses muito pode acontecer, excepto se a corrida continuar a ser marcada por um Trump forte e um Biden cada vez mais débil.

As imagens de Trump após o atentado dizem quase tudo. Sobretudo uma, do fotojornalista Evan Vucci (prémio Pulitzer), em que Trump, acabado de se levantar do chão, com um fio de sangue no rosto, levanta o punho em sinal de desafio contra um inimigo invisível, parecendo segurar a bandeira americana.

Comenta La Repubblica, na mais feliz análise do icónico documento: “A própria haste da bandeira à esquerda tem um papel: inclinada para o ferido que parece sustentá-la com o braço para a impedir de cair, relembra ao americano mais distraído aquela outra haste da bandeira inclinada que foi içada pelos marines no monte Suribachi, em Iwo Jima, em 16 de Março de 1945, no decurso de uma das batalhas mais sangrentas da guerra no Pacífico.”

“Esta é a imagem que ficará na História”, escreve o Libération em editorial. Mas nada de bom se augura para os Estados Unidos.

Sugerir correcção
Ler 11 comentários