As recentes eleições legislativas antecipadas em França catapultaram o Rassemblement National, partido de extrema-direita, para um patamar sem precedentes. Embora a formação de uma "frente republicana" tenha conseguido conter parcialmente esta ascensão inexorável da extrema-direita, longamente analisada, é agora uma realidade incontornável no panorama político francês.
Esta progressão fulminante da extrema-direita ocorreu durante sete anos de erosão progressiva da democracia em França, marcados por um exercício do poder hipercentralizado e concentrado nas mãos de um Presidente todo-poderoso e um diálogo social quase inexistente.
Desde a sua eleição em 2017, o Presidente Emmanuel Macron governou deixando pouco espaço ao debate democrático. A Assembleia Nacional, pedra angular do regime parlamentar francês, viu-se relegada para o papel de mera câmara de registo, limitando-se a aprovar textos elaborados à porta fechada por tecnocratas ministeriais sob a tutela do Palácio do Eliseu, muitas vezes em detrimento das liberdades públicas.
Esta deriva autoritária não passou despercebida aos observadores internacionais. Em 2021, a revista The Economist lançou o alarme ao passar França para o estatuto de "defective democracy" (democracia com falhas). Uma qualificação que hoje soa a aviso ignorado, enquanto o país se afunda numa crise democrática sem precedentes.
A perda da maioria absoluta em 2022 deveria ter incentivado o Presidente a retomar o diálogo e a procurar o consenso. Em vez disso, optou pela via da força, recorrendo repetidamente ao artigo 49.3 da constituição francesa, uma arma constitucional que permite a adopção de leis sem votação. Esta prática reiterada foi percepcionada como uma verdadeira negação da democracia, particularmente durante a adopção da controversa reforma das pensões.
Emmanuel Macron parece acreditar que se pode governar um país como se administra uma multinacional, pedindo periodicamente à população que aprove o seu balanço. Esta prática tecnocrática e autoritária do poder abriu caminho à extrema-direita, que capitaliza o sentimento de abandono dos mais desfavorecidos e promete dar voz àqueles que já não se sentem ouvidos nem representados.
Perante este cenário alarmante, Portugal, que também conhece um governo minoritário, deve tirar lições da crise francesa. A democracia não se pode reduzir a um simples ritual eleitoral. Cinquenta anos depois do 25 de Abril, o país deve precaver-se contra uma rotina democrática que oferece terreno fértil para a ascensão do partido de direita radical Chega, cuja progressão eleitoral lembra perigosamente a do Rassemblement National em França.
É urgente reinventar espaços de expressão cidadã. Os portugueses não podem contentar-se em ser meros espectadores da vida política e devem tornar-se actores empenhados, exigindo dos seus dirigentes transparência e prestação de contas. Impõem-se iniciativas concretas como os fóruns cidadãos locais, os referendos de iniciativa popular ou ainda os orçamentos participativos à escala nacional, que poderiam contribuir para revitalizar a democracia portuguesa.
É com estas ferramentas que as democracias (a francesa e a portuguesa) poderão fortalecer-se e resistir às sereias populistas. O futuro das nossas sociedades democráticas depende da nossa capacidade de reinventar uma participação cidadã activa e empenhada.