Tenho sorte: nunca tive tantos amigos. Mas serão mesmo amigos? Não é importante. E vou explicar-vos porquê.
Numa situação em que me vejo aflita, penso sempre que tenho de estar apta a resolvê-la sozinha, mesmo que seja inábil em tantas matérias. Sim, sou muito autónoma de cabeça, trabalho desde os 16 anos, saí de casa aos 20 (dependendo apenas do meu salário), mas sou um atraso de vida em muitas matérias. Sou pouco eficiente a compreender a lógica das coisas. Duvido do que para os outros pode ser uma certeza inabalável. Sei mais ou menos quem tem prioridade numa rotunda, mas, como nem sequer tenho carta, o mundo para mim é um alegre caos onde me movimento com a minha ordem – respeitando a dos outros. Sou adulta há muito tempo e, mesmo que profícua na minha falta de habilidades, sempre me desenrasquei sozinha. Como gozo do poder da pergunta, ao contrário dos homens que se acanham na hora de pedir ajuda, consigo sempre chegar ao lugar onde me esperam. O meu GPS ainda são os outros.
Voltemos ao início. Tenho muitos amigos. Nunca tive tantos. Gente que vai e volta. Gente que já não volta, mas que me proporcionou momentos únicos de confidência e partilha. Gente que, independentemente de não me ver há muitos anos, me recebe e abraça como se eu estivesse sempre aqui. E estou. E estaria mais se pudesse. Num cenário possível, ideal, faria festas com centenas de pessoas que adoro e que são importantes na minha vida. São de facto muitas. Trabalhei para isso. Pensando até melhor, as pessoas foram sempre a minha única ambição, o meu maior plano: tê-las à minha volta, rir-me com elas. Festejá-las na minha vida.
Ainda ontem estive com meia dúzia de amigos que me fizeram rir a noite toda. Hoje, que já é outro dia, ainda me estou a rir do que se contou, do que se viveu, do ridículo a que nos expusemos e expusemos os outros, naturalmente. A vida passa a ser um lugar muito melhor quando percebemos que todos somos ridículos. Que quando nos estamos a rir dos outros, os outros também se estão a rir de nós. Como é que me podia levar a sério?!
Dos amigos, que insisto são muitos, não tenho expectativas. Não tem mal nenhum que um ou vinte me falhem porque não é bem isso que espero deles. Isso das expectativas é uma coisa que ultrapassei há muito. Eu, dos amigos, quero alegria e lágrimas quando se justificar. Quero que voltem a mim quando lhes apetecer e eu lhes caia no goto quando for possível. Não estou em casa a assinalar as falhas. Estou a sorrir do que já vivemos até em momentos imprevisíveis. O imprevisto sela amizades também.
Quando ouço aqueles clichés (alguns clichés são verdade, sim) de que os amigos se vêem nas ocasiões difíceis, eu vejo quem está mais perto. É verdade. Os amigos são esse vai e vem de possibilidades. Portanto, não estou a contar que alguém que está no Algarve me venha salvar a Lisboa ou ao Porto. Não devemos por os amigos à prova. Acho que lhes devemos a liberdade de nos poderem ajudar consoante a sua disponibilidade. Acho que somos pouco elásticos nesta matéria nobre da amizade. É nobre porque é boa. Não tem de ser um desafio que eles ultrapassaram porque passaram em dez alíneas.
Mais a sério: há duas ou três pessoas a quem pedirei ajuda se precisar. Mas elas podem estar no Dubai ou no Piódão e não lhes ser oportuno fazer uma transferência bancária de imediato ou irem a correr comprarem-me um anti-histamínico. Estará tudo bem na mesma. Os estafetas também podem ser nossos amigos. Todos têm um sorriso para mim, que devolvo com um maior.
Tenho muitos amigos, sim. Foi a melhor coisa que construí na vida. A única matéria em que sou megalómana e ambiciosa. Troco mensagens sem fim com muitos deles. Arranjo piadas novas para os entreter, adio estender a roupa para ficar de pé, numa posição incómoda, a responder-lhes.
Os meus amigos (de há um mês ou 30 anos) fazem-me feliz.
O coração ainda bate.