A desastrada denúncia de um “desastre”
Dificilmente a ministra da Cultura terá com ela quem dê para esse peditório de considerar que uma EPE não possui condições de exercer funções do Estado.
Manifestou-se a ministra da Cultura surpreendida por o anterior Governo, do PS, ter entregado algumas funções regulatórias na área dos museus a uma "entidade pública empresarial" (EPE). Que se trataria de "privatização", afirmou com a ênfase de quem aparentemente defende a estatização, quiçá o socialismo. Nada de mais ilusório, quando absolutamente surpreendente é que esta denúncia seja feita por ministra de Governo composto por partidos que privatizaram tudo o que puderam, a começar pelos recursos (água, por exemplo) e monopólios naturais (electricidade, por exemplo).
E depois... depois há a total mistificação do que é dito: as EPE não são umas empresas quaisquer, nem na Cultura, nem na Saúde, nem em contexto autárquico. São entidades públicas, subordinadas à hierarquia do Governo e ao controlo do Tribunal de Contas.
Poderia exigir-se alterações ou maiores garantias em matéria de contratação laboral? Sim, poderia. Mas pensará a ministra que através de tiradas deste jaez provoca à esquerda reacções pavlovianas?
Bom, talvez algumas. Mas dificilmente terá com ela quem dê para esse peditório de considerar que uma EPE não possui condições de exercer funções do Estado, tal como uma qualquer direcção-geral ou um instituto público.
Mistificação também porque não são as funções classificatórias, regulatórias e credenciadoras da Monumentos e Museus de Portugal EPE (MMP, EPE) que deveriam preocupar a ministra. Aquilo, sim, que deveria denunciar e resolver é a inconsistência da divisão de competências entre o Património Cultural IP (PC.IP) e as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) e, pior ainda, o quase abandono em que ficou o património arqueológico. Poderão as tais "unidades patrimoniais territoriais" do Ministério da Cultura resolver estes problemas ou apenas acrescentarão mais confusão à confusão, mais entropia à entropia? Porque, das duas, uma: ou se retiram de novo às CCDR as competências que se lhes outorgaram ou então... então é melhor ser consequente e tomar as medidas que nelas garantam a prevalência dos valores patrimoniais sobre quaisquer outros.
Algo foi, aliás, feito pelo Governo anterior neste sentido, à última hora e por pressão pública e do sector: a hierarquia interna do património foi reforçada, até ao nível de vice-presidente e as condições de trabalho e remuneração dos técnicos foram melhoradas, a ponto de em grande percentagem terem aceitado passar das (direcções regionais de Cultura) DRC para as CCDR. Mas ainda é pouco: falta, por exemplo, reforçar a vertente consultiva independente e instituir mecanismos de recurso hierárquico central por parte de todos os legitimamente interessados, desde logo por parte das estruturas associativas do património.
Uma nota final é devida ao episódio da "boas maneiras" no Património Cultural, IP: parece que o futuro de quem o dirige e ainda mal aqueceu o lugar será pouco soalheiro. Veremos. Para já, ficámos a saber que a nomeação é reversível e nem sequer ainda foi publicada em Diário da República.