Há quem faça tudo pela seleção, até um infeliz anúncio
Depois de ver e rever a campanha, fico com a sensação de que esta ideia terá surgido em ambiente de copofonia, numa almoçarada ou numa taberna, à volta de minis e tremoços, composta só por homens
“Faz amor por amor à Seleção”, assim se designa a campanha publicitária da Meo, lançada em setembro do ano passado, desafiando o cliente a aproveitar a “licença parental que calha no europeu e que dura pelo menos um mês”, com “oferta de 3 meses de Sport TV para os pais dos filhos do Euro”. E para as mães qual seria a oferta? Até ao momento, nenhuma, a não ser a adoção do falso “masculino neutro”: pais, para englobar as mães também, pontapeando a moderna e necessária linguagem inclusiva.
A campanha, que se prolongou ao longo destes últimos meses, anuncia ainda que, na compra de uma Smart TV Xiaomi de 55’ por apenas 399.99€, o valor será devolvido pela patrocinadora oficial da Seleção Nacional de Futebol e da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), em conteúdos premium de televisão, se a Seleção Nacional se sagrar campeã, no dia 14 de julho. É certo que a estupidez pode servir como estratégia de marketing e pôr meio mundo a falar da campanha, por irritação ou estupefação, ou como afinal, se diz no meio: "Não há má publicidade, o que interessa é que se fale do produto." Contudo, nem nesse aspeto têm tido muito sucesso, como uma breve pesquisa google revela.
Depois de ver e rever a campanha na televisão, fico com a sensação de que esta ideia terá surgido em ambiente de copofonia, numa almoçarada ou numa taberna, à volta de minis e tremoços, composta só por homens, ou seja, o machismo representando uma virilidade mítica, ignorando as condições sociais e económicas das mulheres e homens do nosso país, perante a hipótese de abraçarem a parentalidade.
As frases da campanha roçam a brejeirice, num mau gosto digno de registo: “Parabéns pela pontaria”; “A bola está do vosso lado. Vocês sabem. Fazer o que tem de ser feito e o que ninguém pode fazer por vocês”. Por acaso, às vezes, tem mesmo de ser por inseminação artificial, acertar nas contrariedades do corpo e da vida e talvez por isso, a única frase da campanha que faça sentido, seja esta: “Para atingir o objetivo, o melhor é irem por fases”. E cereja no topo do bolo, a música dos Da Weasel, "Dialetos de Ternura", que na primeira campanha lançava o desafio ‘Faz faz Bé bé’, surge agora a ser trauteada “Uhhh! Uhhh! Yeah, Yeah! ...Meo Meo Dá Dá!” Muito giro mesmo. Quem se lembraria de tamanha criatividade.
“Faz amor por amor à seleção. E daqui a nove meses estás em casa a vibrar com o Euro”, não é só uma infeliz campanha de marketing, como se trata de um desafio totalmente desonesto, numa altura em que a verdade tem sido estratégia de publicidade por inúmeras campanhas publicitárias. E o que espoletou o texto que escrevo hoje foi precisamente um desses discursos de verdade. Rita Patrocínio partilhou nas suas redes sociais, o desabafo: “Desespero. Estou absolutamente de rastos, não aguento nem mais um dia. Até me sinto mal! Mas, tipo, já não consigo mesmo”, referindo-se ao primeiro mês de adaptação, birras e muito colo da sua bebé. A figura pública confirmou ainda a presença do pai da bebé ao seu lado e que se encontrava “de rastos também”. A licença de parentalidade não é, portanto, a priori, uma oportunidade para ficar em casa a ver jogos.
Concluindo, pegar na informação de que “Portugal tem das taxas de natalidade mais baixas da Europa” e ir por aí fora, cavalgando num apelo bafiento (a lembrar outros tempos, com laivos machistas) à procriação, leva-me a não ficar admirada quando, revendo os nomes da ficha técnica da campanha, que inclui cerca de duas dezenas de pessoas, se observam sobretudo nomes masculinos, nomeadamente na direção da mesma. Espantar-me-ia se tivessem sido mulheres, mães, a conceber esta campanha publicitária. Assim, é mais do mesmo. “Criativo” seria, a certo momento, aparecer o André Ventura, numa publicidade que faz lembrar os tempos da outra senhora e dos 3Fs.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990