Novos, cítricos e frescos: Brancos monocasta da Península de Setúbal em prova
Em 17 brancos novos e varietais da Península de Setúbal, notou-se um perfil bastante uniformizado de aromas. Só um encruzado e um fernão pires fugiram ao padrão.
As regiões com terrenos mais férteis, planos, próximos da capital, de maior dimensão fundiária e com acesso à água são, por regra, laboratórios agrícolas. Em consequência, adaptam-se muito facilmente aos desejos do mercado. Àquilo que, também na alimentação, se chamam as modas.
No universo do vinho, a região vitivinícola da Península de Setúbal – e à semelhança do que acontece com as regiões de Lisboa e do Tejo – tem tido a capacidade de se adaptar às tendências do mercado desde sempre. Em grande parte, essa adaptação tem que ver com dois factores: solos de areia e abundância de água no subsolo.
Estes solos aparentemente pobres são, todavia, excelentes para a cultura da vinha. E o facto de haver água a pouca profundidade (influência da bacia hidrográfica do Tejo) faz que as videiras não entrem em stress hídrico, mesmo em anos quentes e secos. Não deixa de ser impressionante registar, em anos complicados, vinhas em sofrimento, por exemplo, no Alentejo, e olhar as vinhas nos terrenos de areia da Península de Setúbal e ver cachos de uvas a brilhar. E de quase todas as castas (só as vinhas novas de moscatel, com bago gordo, podem sofrer com o calor).
Se a estes factores acrescentamos a relativa proximidade atlântica da região, com valores de temperatura mais moderados, temos então que, aqui, as vinhas são amigas do agricultor, produzindo em quantidade e qualidade regulares.
Sucede que, nas últimas décadas, e fruto da modernização da viticultura e da vocação exportadora do sector, as empresas da região começaram a apostar em castas brancas estrangeiras, quer para a venda em modo varietal quer para a sua utilização em lote. E é assim que aparecem as castas chardonnay (claro), verdelho (que nada tem que ver com o verdelho dos Açores ou da Madeira), sauvignon blanc, pinot grigio e, até, greco di Tufo.
O leitor poderá estar a perguntar por que razão alguém se lembra de trazer uma casta italiana desconhecida por cá para as encostas da Arrábida. Ora, isto é um certo modelo que acontece um pouco por todo o país e por todo o mundo. Por vezes, um produtor viajado dá de caras com um vinho que o impressiona. Vai daí, pede aos responsáveis da sua equipa que plantem umas linhas de videira para ver como corre a coisa. De maneira que a casta greco di Tufo aparece na Península de Setúbal porque Joe Berardo, dono da Bacalhôa Vinhos, apaixonou-se pelos vinhos desta casta numa viagem a Itália. Se a casta vai ou não vingar na região (por vezes as coisas começam assim), só o tempo dirá.
Castas com potencial tremendo
A prova em causa revelou vinhos bem-feitos e para todos os gostos, embora, por via da sua juventude, quase todos a caminhar pela via dos frutos cítricos e das notas florais. Vinhos frutados, vinhos florais e vinhos com aromas terciários que só o tempo dá. Mas o que faz sentido colocar em cima da mesa é se a região consegue transmitir aos consumidores um perfil de vinho branco com identidade territorial, à semelhança do que acontece noutras regiões vitícolas do país e por via de uma única casta. Ora, não nos parece que tal aconteça.
Não nos parece que alguém entre num restaurante ou numa garrafeira à procura de um branco varietal com perfil da Península de Setúbal. Sim, claro, há quem peça marcas da região porque tem contacto regular com elas, mas aqui estão a manifestar a confiança e o prazer na marca (o que é bom). Isso, contudo, não quer dizer que haja uma identificação com a região.
As coisas podiam ser diferentes? Podiam. Assim como a região tem um potencial tremendo com os vinhos de castelão nascidos nos terrenos de areias e fermentados com engaço em lagares, teria a obrigação – por todas as razões e mais algumas – de ser um laboratório com os vinhos da casta fernão pires. Sintomaticamente, em 17 vinhos varietais desta prova, só um é feito de fernão pires. E que vinho! Seria interessante que os produtores olhassem para o que está a acontecer na região vizinha do Tejo com a casta. Há meia dúzia de anos, havia menos de 20 vinhos de fernão pires; hoje são quase 60, em todos os formatos enológicos e mais alguns. Confessamos a que nossa ideia é um pouco egoísta: que um dia seja possível fazer-se uma grande prova nacional de fernão pires e por regiões (Península de Setúbal, Tejo, Lisboa e Bairrada, com a variante maria gomes). Quer dizer, a ideia é egoísta, mas, caramba, também didáctica.
Este artigo foi publicado no n.º 7 da revista Solo.