Herdade de Espirra: Um casamento improvável
Do Grupo Navigator não se espera que produzam vinhos. Não só produzem, como têm no castelão de vinhas velhas a sua especialidade. Herdade de Espirra, eis um nome a decorar e a visitar.
Há empresas que vivem do vinho e para o vinho e outras que também têm vinho. É o caso do Grupo Navigator, uma referência no comércio de papel, que produz quatro tintos e um rosé na Herdade de Espirra, em plena planície de Pegões. Cerca de 37 hectares de vinha que convivem lado a lado com outras actividades agro-florestais, como a produção de cortiça e de pinhão, o pastoreio, viveiros florestais e a produção de madeira. Convenhamos que 37 hectares está longe de ser um número insignificante, mas rapidamente parecem perder dimensão quando se toma a noção de que estão integradas numa área com 1700 hectares.
As comparações e os números que atestam da grandeza da empresa não se ficam por aqui. No total, o grupo tem mais de 107 mil hectares de floresta sob a sua gestão em todo o país e dá emprego, de forma directa ou indirecta, a cerca de 30 mil pessoas. Quantas delas trabalham nos vinhos da Espirra a tempo inteiro? Duas, às quais se juntam mais alguns elementos durante a vindima.
Ana Varandas, enóloga, é a cara e a cabeça dessa dupla. Responsável pelo que aqui se faz há cerca de 15 anos, desde cedo percebeu o singelo papel do vinho neste grande grupo. “Quando cheguei as vinhas tinham um ar meio abandonado”, confessa. Não se pense, ainda assim, tratar-se de uma queixa. Bem pelo contrário. Ana garante que sempre lhe deram total apoio para experimentar e fazer vinhos de qualidade.
Dos 37 hectares, a maioria são vinhas velhas, de sequeiro, com mais de cinco décadas. E quase todas de castelão. Só recentemente se acrescentou uma mão-cheia de hectares de vinhas novas, de regadio — com as castas aragonez, touriga nacional e alicante bouschet. Ana não esconde, contudo, a sua paixão pela casta da terra e pelas vinhas mais antigas, que promete não substituir.
De há dois anos a esta parte começou mesmo a restaurá-las, palmo a palmo, vide a vide. “As vinhas novas são mais preguiçosas. A vinha tem de sofrer um bocadinho, caso contrário perde qualidade.” O resto é oferecido pelo solo e pelo clima. “Estamos em solo arenoso, o terreno por excelência do castelão, e a cerca de 15 quilómetros em linha recta do mar. Sente-se a influência atlântica.” Estas características, segundo a enóloga, emprestam à casta uma acidez e uma mineralidade só suas.
“O mercado tem de trabalhar as suas próprias castas. É esse o nosso factor de diferenciação em termos de exportação.” Ana sabe do que fala, afinal exportam para países como Reino Unido ou Brasil. Se bem que estejam também presentes no mercado nacional — no El Corte Inglés, por exemplo, e em restaurantes e supermercados da região, como o Auchan. Além da venda online.
Ainda assim, nada como ir à herdade para perceber a verdadeira essência dos vinhos. Apesar de o enoturismo não ser a prioridade da casa, fazem visitas guiadas e organizam provas, bem como almoços e jantares vínicos. Tudo sob marcação. A visita tem passagem obrigatória pela adega, que conserva os lagares onde todos os anos se pisa o vinho. “Somos os únicos que vinificamos cem por cento os nossos vinhos em lagares”, conclui a enóloga. Muito, para um grupo onde o vinho parece pesar tão pouco.
Herdade de Espirra
Pegões (Montijo)
GPS: 38.6588, -8.6231
Tel.: 265898787
Web: espirra-wine.com
Visitas, provas e almoços/jantares vínicos sob consulta e marcação. Uma visita com prova e tapas pode custar 70 euros por pessoa. Com refeição pode ascender aos 140 euros.
Este artigo foi publicado no n.º 7 da revista Solo.