Com 21 anos, Teun foi viver para um lar para nos ensinar a ver a demência

A sua causa é a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem com demência, nomeadamente dentro de portas. “Vemo-las como doentes, mas temos de as ver como um ser humano”, reclama Teun Toebes.

Foto
Uma cena do filme Human Forever de Teun Toebes e Jonathan de Jong DR
Ouça este artigo
00:00
10:11

Mas porque é que um rapaz na casa dos 20 anos iria querer viver num lar, entre pessoas com demência? Sujeito a horários que não os seus. À comida que não escolheu. Ao mesmo programa na televisão na sala comum. Perante cortinas que não podem ser alteradas, plantas que não podem ser naturais, um portão que pouco se abre para a rua. Onde a música é André Rieu mesmo para um fã dos Stones. Onde nada é em madeira, antes asséptico. Onde se chega a ouvir da vizinha: “A vida aqui não tem sentido e quando deixámos de ser importantes, mais vale estarmos mortos”.

Com 21 anos, Teun Toebes, um jovem enfermeiro holandês de caracóis loiros, foi viver para uma nursing home, em Utrecht, uma espécie de "lar medicalizado", com acompanhamento médico especializado, onde, neste caso, eram prestados todos os cuidados a residentes com demência. E sempre que enfrentava a incredulidade de quem estranhava a opção, disparava a resposta na ponta da língua: “Quero experimentar viver num para que, no futuro, possa cuidar melhor das pessoas com demência”.

É esta a sua causa, pela qual se bate todos os dias, há já um par de anos. Que já inspirou três livros, um deles traduzido para inglês, The Housemates– Everything one young student learnt about love, care and dementia from living in a nursing home, de onde foram retiradas estas citações; um documentário, Human Forever, que anda agora a correr o mundo; uma organização sem fins lucrativos, a Article 25 Foundation; uma performance, várias conferências e quem sabe o que seguirá.

“Quando entrei numa nursing home pela primeira vez, apercebi-me de que tenho uma hipótese em cinco de ser diagnosticado com demência, mas não quero viver da mesma forma que as pessoas com demência vivem numa destas instituições porque são excluídas da sociedade”, conta Teun, agora com 25 anos, numa videochamada com o P3, a partir dos Países Baixos. “Vemo-las como doentes, mas temos de as ver como um ser humano. Pensar em qualidade de vida, em vez de quantidade de vida.”

O que Teun reclama é uma mudança de mentalidades perante o envelhecimento e a demência, tal como encontrou noutras geografias ou em residências que começam a adoptar uma nova filosofia, com abordagens semelhantes ao cohousing ou simplesmente mais... próximas.

“O sistema actual centra-se principalmente no controlo e na segurança, mas temos de aceitar, e isso em contraste com os nossos valores ocidentais, que a vida tem riscos também quando se tem demência. Se quisermos que o risco seja zero, então a vida das pessoas também será zero e isso é uma coisa muito triste.” E conclui: “As pessoas com demência estão quase sempre na última fase da sua vida, vivendo oito a dez anos a partir do diagnóstico; mas, nos Países Baixos, vivem oito meses numa nursing home e morrem.”

Plantas reais, animais reais”, olhos reais​

As estatísticas que vai atirando são demolidoras. No filme, ainda não se chegou ao primeiro minuto, e já estamos a ler que 55 milhões de pessoas vivem actualmente com alguma forma de demência — número que se prevê que dispare para 78 milhões em 2030, 139 milhões em 2050, indica a Alzheimer Disease International, organização que se dedica a esta doença que é a forma mais comum de demência. Em Portugal, haverá 200 mil pessoas a viver com uma demência — serão o dobro até 2050.

Foto
Jonathan de Jong e Teun Toebes, realizadores de "Human Forever" DR

É possível, portanto, que Human Forever seja sobre o futuro de muitos de nós: ao longo de 60 minutos, Teun e o realizador Jonathan de Jong mostram o que viram ao longo de três anos e meio em 11 países, quatro continentes. Procuravam respostas para um problema que se agiganta — e encontraram-nas. “Isso é o mais bonito: a mudança já está aqui, mas temos de a levar mais longe porque estes exemplos ainda são a excepção à regra.”

Fala do que viu, por exemplo, na Dinamarca, no Dagmarsminde, que se apresenta como um “oásis de cuidado” rodeado de verde. Uma pequena “casa normal” para pessoas com demência severa, com “plantas reais, animais reais”, sem a tecnologia que geralmente se usa nas nursing homes — e onde os sedativos já não são necessários, a medicação é mínima e os olhos dos residentes vivem e comunicam, mesmo quando já não há palavras.

Mas também do que encontrou, em contextos económicos totalmente opostos, na Moldova, o país mais pobre da Europa, onde a Igreja se assume como uma rede de apoio na ausência de um Estado social robusto, com um padre que leva comida e conversas a quem precisa; ou na África do Sul, onde os filhos vão viver com os pais que precisam de cuidados, até porque há casos de idosas com demência que foram mortas por quem as julgava bruxas. E, noutro vértice, ao que assistiu na Coreia do Sul, país que enfrenta uma grave crise demográfica devido ao envelhecimento da população e à baixa natalidade, onde o Governo convida todos os sexagenários a participarem num programa de prevenção da demência.

No geral, “fizemos da demência uma morte social”. “Criámos um sistema de cuidado que é baseado na nossa perspectiva da demência, mas a demência é muito diversa, não há uma solução”, diz, apelando a que se “escute” as pessoas com demência — que, tal como os seus antigos companheiros de casa, mesmo quando não têm uma “voz verbal”, falam através do “comportamento, da forma como andam pelo lar, como se apresentam ou mostram as suas emoções”.

“Trata-se de integrar as pessoas com demência na sociedade”, conclui. “Mas isto é um problema societal — não estamos habituados a viver com pessoas que já não se encaixam na nossa norma racional. Portanto, a mensagem é sobre o papel da institucionalização.”

“O melhor medicamento é a proximidade”

Como contornar, então, os lares lotados, a falta de recursos humanos, a carência de financiamento, sabendo que, muitas vezes, não existe nem tempo nem espaço para o tipo de cuidado que todos desejam? Primeiro, olhar “criticamente” para as funções da equipa: “Será que apoia realmente a qualidade de vida? Ou será que devemos mudar a forma como estamos a tratar as pessoas com demência, baseada sobretudo em fundamentos médicos?”. Que tal “normalizar e não medicamentar as vidas das pessoas com demência”, por exemplo, através de prescrições sociais?

“Nas casas onde vivi, o que se espera é… se as pessoas têm o risco de se engasgar, então chama-se o terapeuta da fala. Se têm o risco de cair, vem o fisioterapeuta para uma análise do risco. Se há um maior risco de queda, o terapeuta ocupacional traz uma cadeira de rodas. Se as pessoas não comerem, então provavelmente será chamado um dietista que dará bebidas proteicas. Tudo isso pode ajudar, não são os produtos que são maus, mas é mau dá-los e pô-los na vida de alguém sem perguntar: ‘É disto que precisa? É o que quer realmente? Melhora a sua qualidade de vida?’”

Dizer que "não há dinheiro ou staff não ajuda" e é "confortável" porque "responsabiliza outros", critica Teun. E dá exemplos: "Nos Países Baixos, as organizações que prestam cuidados de saúde recebem mais de 100 mil euros por ano por uma pessoa com demência, mas também dizemos constantemente que não há dinheiro, nunca é suficiente". De acordo com a Estratégia Nacional para a Demência (2021-2030) do Governo neerlandês, "em 2015, os custos dos cuidados formais a pessoas com demência ascenderam a 6,6 mil milhões de euros", esperando-se que atinjam 15,6 mil milhões de euros em 2040. Por isso, ressalva o jovem, nada disto é "sobre dinheiro", quando muito é sobre distribuí-lo. "É uma questão estrutural, é outra maneira de pensar", que, no seu entender, passa por deixar de pôr a tónica na doença. Ver as pessoas para além da demência.

Foto
Teun com Elly no lar onde viveu, em Utrecht dr
Foto
Ad foi um dos grandes amigos que fez no lar dr

Diz Teun que é um pensamento comum que as pessoas com demência se tornam novamente crianças — e, com maior ou menos incidência da doença, assim as tratamos. “Posso garantir que isso é um absurdo”, escreve no seu livro. “A regra principal ao lidar com pessoas com demência é: não as contradiga se não tiver de o fazer, siga o mundo que elas descrevem. Esta é a sua realidade e, ao desafiá-la, só as vai confundir, o que pode resultar em stress, pânico ou raiva.”

Assim viveu entre idosos com demência durante três anos e meio, onde, ao contrário dos restantes residentes, tinha um “grande privilégio” — o acesso ao código 2684 para abrir a porta. Fez amigos, muitos. A Muriëlle, o Ad, a Tineke — já nenhum vive. Com eles, ouviu música enquanto falava sobre alterações climáticas, solidão, política, sexo. Tentou seguir uma dieta vegetariana, e falhou. Recebeu conselhos amorosos, ou até de moda, provavelmente antes de encontros com outros rapazes. Criou a happy hour à sexta à noite, um ansiado momento de convívio com um copinho (com ou sem álcool) e uns snacks. Fez passeios de carro até restaurantes ou foi “acampar” para o jardim.

Chorou, também — ou fez chorar. Como no caso de Elly, que ficava triste sempre que ele ia embora, e por isso o aconselharam a afastar-se dela. “Mas pensei: não é bonito que uma mulher de 94 anos seja capaz de sentir tristeza, perda e ansiedade, mas também se sinta feliz e com uma ligação a alguém? Sentir amizade? É sobre valorizar emoções.”

Pequenas coisas, no fundo, que vão fazendo a diferença. “O melhor medicamento para pessoas com demência é a proximidade”, considera, já no filme, Patricia Bauters, directora da residência Aymonshof, na Bélgica, onde não há hierarquias ou tarefas por cumprir, antes liberdade de escolha. “[As pessoas com demência] vivem num eterno agora, o passado desaparece e não conseguem imaginar o futuro. Por isso, devemos respeitar o agora.”

É o que Teun tenta fazer. Actualmente, vive em Amesterdão e quando não está em digressão com o seu documentário, a preparar alguma conferência ou a aconselhar o Governo no que toca à estratégia nacional de prevenção da demência, tenta “construir comunidades” no seu bairro. Seja a dar boleias num carro adaptado, ao organizar sessões de exibição de Human Forever ou ao promover nas escolas secundárias um programa para quebrar o estigma ao redor da demência, uma das actividades da Article 25 Foundation.

“A minha mensagem é sobre construir comunidades e viver em conjunto. O facto de termos feito dos lares a última etapa para as pessoas com demência diz-nos muito sobre como já não estamos a viver com pessoas com demência, porque as excluímos”. Por isso, vai perguntando, no filme, no livro, em qualquer conversa: “Quão má é a perda de um sistema que está a excluir pessoas?”. Mas “porque é que criámos um sítio onde ninguém quer viver?”

Sugerir correcção
Ler 7 comentários