Acupunctura: há milhares de anos que não funciona
A acupunctura, tendo aparecido muitos séculos antes da ciência moderna, assenta num sistema de crenças pré-científico.
A acupunctura tem um estatuto de especial credibilidade entre as terapias alternativas. É oferecida muitas vezes como complemento à medicina convencional, prometendo juntar o melhor dos dois mundos: a sabedoria milenar e a ciência moderna. Mas a acupunctura é uma pseudociência, uma vez que não consegue apresentar provas da sua eficácia, como se contará neste texto que faz parte da série “Como perder amigos rapidamente”. Dito de outro modo: se os tratamentos de acupunctura fossem em injecções, eles não seriam aprovados pelas autoridades que regulam os medicamentos. A legislação dispensa a acupunctura de apresentar quaisquer demonstrações de validade para estar no mercado.
Não é fácil precisar quando a acupunctura surgiu na China, pois isso depende de datações controversas de textos antigos e da definição de acupunctura que for assumida, mas é seguro dizer que ela é praticada pelo menos desde o século I a.C. Portanto, uns bons 16 séculos antes da ciência moderna.
No campo da anatomia, a acupunctura teve pioneiros no século XVI como Andreas Vesalius, Gabriele Falloppio ou Realdo Colombo (os últimos disputaram entre si a primazia da descoberta do clítoris, que passou ao lado do primeiro). A primeira experiência controlada para testar o efeito de um tratamento foi feita em 1747 pelo médico naval britânico James Lind, com uma amostra de 12 marinheiros que sofriam de escorbuto. Concluiu que dois deles, tratados com citrinos, recuperaram mais rapidamente do que outros que beberam vinagre e mistelas. Mas foi só no século XX que a medicina se tornou definitivamente científica, com o desenvolvimento dos métodos estatísticos que permitem avaliar a eficácia e a segurança dos tratamentos, com base em grandes amostras de doentes.
A acupunctura, tendo aparecido muitos séculos antes da ciência moderna, assenta num sistema de crenças pré-científico. Basta ver as componentes de formação descritas na Portaria 172-C/2015, peça legislativa que determina o que se deve ensinar numa licenciatura em acupunctura em Portugal: “Domínios de yin e yang, cinco movimentos, qi, sangue e líquidos orgânicos, os oito princípios de diagnóstico, o sistema dos meridianos e ramificações jing luo, síndromes gerais e síndromes dos zang fu, patologia e etipatogenia energéticas, os seis níveis, as quatro camadas, os três aquecedores.” Isto não soa nada, mesmo nada, a ciência.
Uma prática que não se baseia no conhecimento científico pode ver a sua eficácia demonstrada através de métodos científicos? Em teoria, sim. A medicina baseada na ciência avalia tratamentos de forma rigorosa, qualquer que seja a sua origem.
Não faltam ensaios clínicos e revisões sistemáticas da literatura médica acerca de acupunctura. Numa busca na base de dados de literatura médica PubMed encontram-se 6818 ensaios clínicos (289 publicados no último ano) e 2709 revisões sistemáticas (estas têm em consideração vários ensaios clínicos de um determinado tratamento). Quais são então os resultados? Convido o leitor a verificar por si próprio.
Pode, em www.cochrane.org, uma relevante base de dados da literatura médica, consultar revisões sistemáticas, feitas por milhares de voluntários de todo o mundo. Experimente pesquisar com as palavras “acupuncture” e o nome de uma doença em inglês.
Fazendo na Cochrane uma pesquisa simplesmente com “acupuncture” encontram-se 132 revisões. A primeira é acupunctura para a insónia. Conclusões: “Devido à má qualidade metodológica, altos níveis de heterogeneidade e viés de publicação, as evidências actuais não são suficientemente rigorosas para apoiar ou refutar a acupunctura no tratamento da insónia. São necessários ensaios clínicos maiores e de alta qualidade.”
Acupunctura para a dor no ombro: “Devido a um pequeno número de ensaios clínicos e metodologicamente diversos, pouco se pode concluir a partir desta revisão.” Para a dor menstrual: “Não há evidências suficientes para demonstrar se a acupunctura ou a acupressão são eficazes ou não no tratamento da dismenorreia primária. (...) As principais limitações foram risco de viés, reportes inadequados, inconsistência e risco de viés de publicação.” Anda muito à volta disto, mas, por favor, verifique, já que o cepticismo é uma atitude muito saudável.
Claro que, se faz acupunctura, o seu acupunctor lhe poderá brandir um qualquer ensaio clínico com alegadas provas científicas de que a sua prática funciona. Mas, com grande probabilidade, será um trabalho com graves falhas metodológicas, daqueles que são referidos nas conclusões das revisões sistemáticas como não permitindo tirar quaisquer conclusões, ou terá mesmo sido publicado numa falsa revista científica (sim, existem muitas!). O certo é que não há acupunctores a reivindicar às autoridades de saúde que os seus tratamentos tenham, para estar no mercado, de apresentar o nível de prova exigido aos medicamentos convencionais.
Bioquímico e divulgador de ciência