A proposta de calendário de aulas para os próximos quatro anos não trouxe grandes novidades, mas suscitou uma discussão em torno da organização do tempo lectivo onde se têm cruzado argumentos interessantes e algumas mistificações.
Pais, professores e directores têm considerado que o calendário termina demasiado tarde, sobretudo para os alunos mais novos, em pleno Verão, com o calor a apertar, o apelo da vida ao ar livre e colegas mais velhos fora da escola – ainda que muitos deles a prepararem-se para provas nacionais.
Um dos argumentos usados é o de que Portugal teria um dos períodos lectivos mais longos da Europa no ensino básico, segundo o Education at a Glance, o grande relatório anual sobre Educação publicado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), na sua edição de 2019.
O que nos diz esse relatório – que nesse ano centrava atenções no equivalente ao nosso 3.º ciclo (lower secondary education)? Que os estudantes portugueses eram dos que tinham mais dias de férias em toda a OCDE. Eram então 17 semanas de pausas lectivas, que apenas eram superados (por poucos dias) pela Rússia e a Irlanda.
Não é uma conclusão surpreendente para quem costuma estar atento aos estudos internacionais sobre Educação. A rede europeia Eurydice, no seu mais recente relatório sobre a organização do tempo escolar no continente (editado em Setembro), coloca também as escolas nacionais entre as que têm mais dias de férias. Portugal entra no grupo de países com mais de 12 semanas de interrupções lectivas, juntamente com Itália, Malta, Grécia, Irlanda e Islândia.
Uma das fontes de preocupação demonstradas por pais e professores prende-se com o pré-escolar e o 1.º ciclo, níveis de ensino onde o calendário escolar é (e continuará a ser, de acordo com a proposta recente do Governo) mais longo duas semanas do que para a generalidade dos colegas mais velhos – com excepção de quem faz exames.
Olhemos novamente para o Education at a Glance, mas desta feita para a sua edição mais recente, a de 2023, que se centrou precisamente nos alunos do 1.º ciclo.
Embora não surja, neste caso, no topo da tabela, o sistema de ensino nacional continua a estar entre os que têm mais dias de férias (15 semanas). São menos duas semanas do que os países cimeiros nesta lista: Letónia, Grécia e Lituânia. Mas estão bem longe do que sucede na Alemanha, Suíça ou Dinamarca, onde as pausas lectivas para o ensino primário se fixam entre um total de oito e dez semanas anuais.
Ou seja, o ano lectivo nacional não é mais longo do que na generalidade dos países seus parceiros – pelo contrário. Mas os mesmos indicadores mostram-nos, no entanto, que Portugal é dos sistemas de ensino com períodos lectivos mais desequilibrados. As pausas lectivas continuam a ser marcadas pelo calendário religioso católico – Natal, Carnaval e Páscoa – o que resulta, muitas vezes, em 2.ºs períodos (demasiado) curtos e 3.ºs períodos (demasiado) longos. Ou vice-versa.
Em Portugal, como na generalidade dos países, a maior parte do período de férias lectivas concentra-se no Verão. Os três períodos de pausa também são regra na generalidade dos países da OCDE. Mas há sistemas de ensino que fazem cinco pausas lectivas, como é o caso do Luxemburgo ou da Chéquia.
Este último país tem até menos duas semanas de férias do que Portugal, mas estão mais distribuídas ao longo do ano. Se a ideia é compararmo-nos internacionalmente, talvez valesse a pena equacionar exemplos assim.
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