Ribeira das Naus é de novo hipótese para o Memorial às Pessoas Escravizadas
Câmara de Lisboa comprometeu-se a estudar a possibilidade de instalar o monumento na localização originalmente pretendida pela entidade promotora, a Djass – Associação de Afrodescendentes.
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) está disposta a reavaliar a possibilidade de instalar o Memorial às Pessoas Escravizadas na Ribeira das Naus, a localização originalmente pretendida pela entidade promotora deste projecto que em 2017 nasceu no âmbito do Orçamento Participativo da autarquia e que continua por concretizar.
O compromisso foi assumido esta quarta-feira, na sequência de uma reunião em que a Djass – Associação de Afrodescendentes reiterou à autarquia, representada pela vereadora Joana Oliveira Costa, as suas objecções quanto à localização que esta tinha colocado em cima da mesa, na Avenida da Ribeira das Naus, junto à Agência Europeia para a Segurança Marítima. Uma localização que, na atribulada história deste memorial, constituía já o terceiro cenário possível para a implantação de Plantação.
Dois anos após a aprovação do projecto, a câmara então presidida pelo socialista Fernando Medina constatou que o terreno em que a Djass propusera erguer o memorial pertencia, afinal, à Marinha Portuguesa. Sucedeu-lhe então o Largo José Saramago, no Campo das Cebolas. Mas os pareceres negativos da então Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), entretanto extinta, e da EMEL, proprietária do parque de estacionamento subterrâneo do largo, acabariam por ditar o chumbo dessa segunda solução. A primeira considerou que do projecto do artista angolano Kiluanji Kia Henda – uma floresta de 400 canas de três metros de altura em alumínio preto, evocando o legado sangrento da cultura do açúcar no Brasil, movida por uma mão-de-obra composta por africanos escravizados – decorreriam “relevantes impactos visuais”, dada a sua “‘densidade’ formal”. A segunda deliberou que a intervenção a realizar “sobre a laje do estacionamento” comportava um significativo “risco do ponto de vista estrutural”.
Nascia então a proposta que esta manhã voltou a ser colocada em cima da mesa, para espanto da Djass. “Já tínhamos tido oportunidade de explicar por escrito à autarquia as razões pelas quais não a aceitamos e pensávamos que esta reunião serviria para nos ser apresentada outra localização”, explicou ao PÚBLICO Evalina Dias. Como o PÚBLICO noticiou há um ano, o cenário apresentado pelo executivo de Carlos Moedas mereceu o “mais veemente repúdio” da associação promotora do memorial, por se tratar “de uma estreita via de acesso a um cais e a um espaço de estacionamento na zona da Doca da Marinha” que “diminui[ria] significativamente a área disponível para [a] implantação”, tendo como inevitável resultado a “brutal redução” da instalação concebida pelo artista angolano.
Segundo a CML, em nota enviada ao PÚBLICO, a proposta que a Djass rejeita “correspondia totalmente aos requisitos solicitados” e permitiria “avançar finalmente” com esta “proposta vencedora do Orçamento Participativo de 2017/2018”. Face às objecções da associação, porém, a autarquia assegura que vai de novo “avaliar” a contraproposta de situar o memorial “no espaço entre a Antiga Doca Seca da Ribeira das Naus e a primeira esplanada relvada”.
Cabe agora de novo à CML aferir da disponibilidade do terreno que em 2017 pertencia à Marinha. Se a questão da propriedade voltar a revelar-se inultrapassável, tudo indica que terá de ser equacionada uma quarta localização para este projecto que pretende constituir, segundo o seu autor, “um lugar de contemplação, mas também um lugar de luto” onde se “possa reflectir sobre a história” do país.