“Conhecem a Vera? A arquitecta.” E pronto. Aquela pessoa fez uma escolha num momento da sua vida, e agora, para a sociedade, ela é mais arquitecta do que Vera. Pois afinal, quem somos nós? O Ricardo, professor. A Teresa, advogada. É assim que nos apresentam; é assim que nos identificamos. O trabalho tornou-se um ponto focal das nossas vidas, e a sociedade frequentemente avalia-nos com base nas nossas realizações profissionais.
Longe vão os dias em que o trabalho era visto como uma forma de subsistência. Ainda precisamos de um salário, é certo, mas nas últimas décadas, tornou-se muito mais do que isso. O trabalho é central nas nossas vidas e molda a nossa identidade, relações sociais e até mesmo a nossa auto-estima. Lentamente, dá-se uma metamorfose. Criamos uma identidade profissional, baseada num conjunto de atributos que desejamos que façam parte da imagem que queremos projetar. E a nossa sociedade reitera esta imagem.
Esta identidade é mais que uma mera etiqueta. Vai para além do cargo ou da função desempenhada: é forjada também pelas nossas escolhas, valores, paixões e trajetórias profissionais. É um processo natural. Tendemos a cultivar amizades no local de trabalho, ou com pessoas do meio. Muitos de nós poderão conhecer lá a sua cara-metade. Os nossos temas de conversa vão certamente incluir temas que dominamos, no âmbito da nossa actividade. No entanto, essa fusão entre o ser e o fazer pode trazer desafios. A constante associação da nossa identidade ao nosso papel profissional pode limitar a nossa percepção de quem somos fora do ambiente de trabalho. As linhas entre a vida pessoal e profissional podem tornar-se muito ténues.
É inegável, o trabalho transcendeu a sua função meramente económica. Absorveu parte do nosso ser e do nosso propósito. E tendo dito isto, importa sublinhar que, não obstante, somos todos mais do que nossas profissões; somos as narrativas que construímos ao longo do tempo.
Eu sou profissional, filha, esposa, mãe, irmã, amiga e a minha própria pessoa. Cada uma delas é um entalhe que define o relevo final daquilo que sou. No malabarismo das nossas esferas existenciais, a pessoal é quase sempre a primeira que deixamos cair. Depois caem os hobbies, o desporto, o ginásio, as saídas com amigos. Temos cada vez menos tempo com a família, ou o que há não consegue ser vivido em pleno, devido ao cansaço ou preocupação com algum detalhe que correu menos bem no trabalho. Mas a esfera do trabalho, essa, seguramos sempre com bastante força lá no alto, até ao nosso limite.