Europeias: houve informação falsa a chegar a eleitores, mas comissão nega condicionamento
Representante da Comissão Europeia em Portugal diz que foram “detectadas acções em vários países” nas eleições. PÚBLICO organizou debate sobre desinformação com dois painéis de especialistas.
A representante da Comissão Europeia garantiu esta quinta-feira, 20 de Junho, que, durante estas últimas eleições europeias, as autoridades comunitárias “detectaram em vários países acções com o propósito” de dar “informação errónea” à população e, com isso, “causar polarização” ou “trazer consequência negativa na conduta dos eleitores”. No âmbito do debate no PÚBLICO sobre “Desinformação e Democracia: Riscos e Respostas”, Sofia Moreira de Sousa garantiu, porém, que não foram “detectados fenómenos à escala europeia que condicionassem as eleições”.
No debate dedicado a responder à pergunta sobre se “A desinformação ganha eleições”, a responsável sublinha a cada vez maior necessidade de uma “comunicação social independente” na luta contra a desinformação. Neste painel, moderado pelo editor da secção Mundo e responsável pelo projecto da Prova dos Factos do PÚBLICO, Ivo Neto, estiveram ainda à conversa José Moreno, investigador do Medialab do ISCTE, e o director do European Media and Information Fund (EMIF), Pedro Calado. Moreno explicou, aliás, que várias instituições da União Europeia se prepararam antecipadamente “para detectar e parar de imediato narrativas de desinformação nas eleições”.
Mas, logo no início do debate, o investigador fez questão de salientar que este não é um fenómeno novo. “A desinformação sempre existiu. Faz parte de todas as épocas. Mas agora passou dos media para as plataformas digitais.” E o problema é que “os movimentos extremos ou populistas conseguem usar os algoritmos de uma forma mais eficiente” nas plataformas digitais e nas redes sociais. Mesmo os media clássicos “conseguem menor alcance”.
Em Portugal, a preocupação já existe mas não é tão grande face aos seus efeitos quanto noutras latitudes. “Estes fenómenos em Portugal não parecem ter tido grande influência, mas a Leste tiveram. Temos sinais de que por lá a desinformação influenciou estes processos. Usar a desinformação para criar desconfiança é uma ameaça grave ao coração da democracia”, salientou Pedro Calado. Sofia Moreira de Sousa aproveitou para ser mais directa nas palavras: “No caso da Rússia já assistimos a isto há algum tempo. [Neste caso] a desinformação é feita por uma entidade estatal.”
Em território europeu, as plataformas digitais, as entidades europeias, os cidadãos, os políticos e os media são quem devem, em conjunto, assumir responsabilidades contra a desinformação, lembrou José Moreno, investigador que usou uma analogia com o futebol para melhor explicar o viés da confirmação que por vezes está em causa. Os adeptos tendem a acreditar mais em informação que já confirma aquilo em que acreditam e a desconfiar de dados que contrariam as suas crenças.
Houve ainda tempo sensibilizar as entidades europeias para que criem mais medidas que levem as plataformas digitais a partilharem sem entraves os seus dados com os académicos que se dedicam à investigação da desinformação. E Pedro Calado admitiu: “Estamos agora num mundo ‘desintermediado'.” Se antes “os professores, jornalistas e cientistas/especialistas” mediavam a informação, agora a “informação está por aí”.
“Para que serve o fact-checking?”
O painel anterior procurou responder a outra pergunta: “Para que serve o fact-checking?”. David Pontes, director do PÚBLICO, sublinhou que as notícias falsas são uma ameaça cada vez “mais complexa”, havendo mais “máquinas imensas de desinformação” no mundo actual. E, por isso, defendeu o investimento em provas de factos, como a que o jornal que dirige tem há vários anos, para “expor as narrativas falsas”.
Já o keynote speaker do debate, Rámon Salaverria, coordenador do IBERIFIER (Iberian Digital de Media Observatory), explicou que as “narrativas da desinformação só começaram verdadeiramente a ser vistas como um problema grave social em 2020, na altura da pandemia”, e que “a ascensão do populismo foi um factor-chave para a percepção social da desinformação, primeiro em Espanha e depois em Portugal”. O investigador recordou ainda estudos do observatório que dão conta de que, no diz respeito à percepção das pessoas, os “políticos são os primeiros responsáveis pela desinformação”, seguidos, em segundo lugar, pelos jornalistas.
Rámon não deixou, porém, de salientar que existem diferenças significativas neste ponto entre Portugal e Espanha — e mesmo relativamente aos restantes países da UE a 27. No nosso país, a confiança que os cidadãos têm nos media é mais alta, disse, citando dados de 2022 e 2023 do barómetro europeu sobre a confiança na imprensa. Além disso, sublinhou que a “verificação de factos” feita por jornalistas em Portugal “é de alto nível internacional”, apesar de ter “menos impacto social”.
O responsável congratulou-se ainda pelo facto de a “desinformação ser, desde 2020, a estrela na investigação académica” e deixou a pergunta para o futuro: “Será que agora vai passar a ser a inteligência artificial?”.
Já o painel de debate, moderado pelo jornalista do PÚBLICO e do projecto do jornal Prova dos Factos, Fernando Costa, abriu a conversa com um alerta, situando a plateia: “Vivemos na época das fake news. A era da pós-verdade, como alguns dizem”.
“O principal meio de desinformação são as redes sociais”
Pedro Rainho, do jornal Observador, foi quem fez a ligação imediata com a informação partilhada antes por Rámon Salaverria: “Não podemos deixar de ficar preocupados com o que Rámon disse. Os jornalistas são o segundo principal foco de desinformação” e o que está em causa é sempre um “combate desigual com a desinformação”. Também a directora da agência Lusa, Luísa Meireles, considerou preocupante o dado lançado por Rámon e explicou a posição da agência. “Por opção editorial a Lusa não faz fact-checking, mas também não teria os meios suficientes para isso. Criamos foi um site de ferramentas disponibilizadas gratuitamente às pessoas no combate às fake news.”
Para Gustavo Sampaio, do Polígrafo, “o principal meio de desinformação são as redes sociais”. “Não podemos controlar toda a Internet”, disse, e a verificação de factos destaca-se como importante porque “é uma forma de levar as pessoas para a boa informação”.
E em jeito de fecho de debate, Luísa Meireles recordou no campo da “manipulação” que “também há políticos que dizem que os jornalistas são inimigos do povo”, remetendo claramente para as palavras do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que entretanto já foram sendo repetidas por políticos populistas de vários partidos no continente europeu, entre eles recentemente André Ventura, presidente do partido Chega, em Portugal.