Será o surf um passaporte para a integração?
Esperamos que este artigo contribua para acender uma luz de esperança a quem o ler. E, quem sabe, seja um incentivo para um dia pegar numa prancha de surf e experimentar apanhar umas ondas.
A atualidade mostra-nos realidades angustiantes, somam-se notícias de vidas interrompidas pela guerra, do aumento do discurso de ódio e da radicalização, violentando valores como os preconizados por Jacques Delors. Recordamos com nostalgia aquela convicção de que havíamos aprendido com os erros do passado e que alguns dos aspetos mais sombrios da história da humanidade jamais se iriam repetir.
Os media têm um papel fundamental na consciencialização dos cidadãos de que os fenómenos que levaram Hannah Arendt a alertar-nos para a banalidade do mal continuarão a existir enquanto existirem seres humanos: de que a linha que separa o bem do mal atravessa o coração de cada um de nós; de que cabe a cada um de nós a responsabilidade de tomar, a cada dia, a decisão de fazer o bem e de recusar ser perpetrador ou conivente com o mal.
Mas se os media podem e devem documentar o mal, também têm um papel na construção de um mundo melhor, mantendo acesa a luz da esperança. Esperamos que este artigo de opinião contribua para acender uma luz de esperança a quem o ler. E, quem sabe, seja um incentivo para um dia pegar numa prancha de surf e experimentar apanhar umas ondas. Recoste-se bem no sofá, e seja bem-vindo ao Waves in You!
O mar juntou três amigos unidos pela prática do surf, que perceberam que tinham um sonho comum: colocar o surf ao serviço do bem. Assim nasceu o Waves in You, um projeto de terapia através do surf, destinado a crianças e jovens migrantes e refugiados. Waves in You, como o próprio nome indica, utiliza as ondas do mar como uma metáfora para as ‘ondas’ do nosso interior — as nossas emoções.
No mar, como na vida, existem tantas condições que não podemos controlar, e às vezes surgem ‘ondas’ que nos parecem impossíveis de enfrentar. No mar, como na vida, podemos aprender como surfar e aproveitar ao máximo as boas marés, mas também a aceitar e a lidar com os momentos de tempestade.
Assim foi com Mahdia, a menina afegã de 6 anos, que antes de vir para Portugal nunca tinha visto o mar, e com as sessões de surf therapy foi aprendendo a conhecê-lo e a lidar com tudo o que de novo este elemento trazia, do suster da respiração debaixo de água a manter a calma quando enrolada por uma onda. Assim foi com Arij, a menina marroquina de 7 anos, que precisava de estar de mão dada com a psicóloga na primeira sessão e, devagarinho, no seu tempo, começou a confiar mais em si própria e a ir superando os seus medos.
Relembramos com ternura o ar carrancudo com que Omar, o menino afegão de 6 anos, chegou na primeira sessão, e no sorriso rasgado que passou a acompanhá-lo a partir da primeira onda que apanhou. A criança passou de não saber o que era o surf para ter como sonho "ir à praia todos os dias!". Das conquistas emocionais no mar, surgiram também conquistas sociais neste mesmo elemento. O Omar tornou-se inseparável do Sebastião, menino português com a mesma idade, e ganhou no Dinis, colega da turma de surf um pouco mais velho, um fiel protetor, dentro e fora da água: sabendo pelo Omar que a criança tinha fugido do Afeganistão, veio perguntar-nos como poderia ajudá-lo e disse-nos que queria ser amigo dele.
No mar não existem nacionalidades. Somos todos iguais, todos usamos os mesmos trajes, temos todos os mesmos medos e os mesmos desafios, todos temos que nos superar. Sim, o surf pode ser um passaporte para a inclusão social.
Os autores escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990