O afeto pode ser a maior terapia para combater o envelhecimento e a solidão

Para que o envelhecimento seja uma experiência positiva, as pessoas devem investir, ao longo da vida, no seu potencial para criar bem-estar físico, social e mental.

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Habituamo-nos a pensar no envelhecimento como um processo ligado ao corpo e baseado em estereótipos como a dependência e a fragilidade, mas envelhecer é muito mais do que isso. Envolve aspetos biológicos, psicológicos e sociais que geram desafios e experiências que se refletem na cognição, na personalidade, na convivência social e na saúde dos mais velhos e que requerem uma resposta diferenciada de modo a que não seja marcado por mais perdas do que ganhos. Envelhecer é um processo inerente à vida, cheio de potencialidades, que pode ser vivido com prazer, vitalidade e qualidade.

Para que o envelhecimento seja uma experiência positiva, as pessoas devem investir, ao longo da vida, no seu potencial para criar bem-estar físico, social e mental, evitando uma condição complexa e multifacetada ligada à escassez de relações interpessoais adequadas e satisfatórias: a solidão.

O conceito de solidão é subjetivo e surge ligado a uma discrepância entre a realidade e as expectativas que a pessoa tem quanto às suas relações significativas — que são insatisfatórias e não atendem às suas necessidades, sobretudo de natureza afetiva — e que pode culminar numa experiência penosa de insatisfação com a vida, de não pertença, de falta de apoio e angústia. Sentir-se só não é sinónimo de estar só. Há quem esteja acompanhado e ao mesmo tempo sozinho, numa solidão de sentimentos e de sentidos que inclui a ausência de tudo o que é de natureza relacional e emocional, desde um toque, uma palavra de conforto, uma gargalhada, um som e, sobretudo, afeto.

Fala-se em epidemia da solidão, embora esta não seja uma doença infeciosa, mas sim uma doença social e das relações que pode afetar negativamente a qualidade de vida e o bem-estar emocional dos mais velhos, reduzindo o seu sentido de propósito e de significado na vida. Como resultado do ciclo de vida, à medida que as pessoas envelhecem, podem enfrentar diferentes tipos de perda, incluindo de papéis sociais, o declínio cognitivo, a morte/afastamento de amigos, familiares, cônjuges e companheiros de toda a vida, ou mesmo a reforma, que pode gerar um sentimento de inutilidade.

A solidão nos adultos pode surgir também em consequência da independência dos filhos que criam asas e deixam o ninho vazio. Em muitos casos, a distância física e afetiva é aumentada e as relações estremecidas, sobretudo, quando os mais velhos não prepararam a sua velhice e ficam sem rede de apoio. Outros factores podem gerar o sentimento de solidão na velhice, incluindo aqueles ligados à personalidade, à saúde mental, ao temperamento e às condições de vida — viúvos e divorciados, por exemplo, podem ser mais afetados pela solidão.

Entre as consequências da solidão, encontramos a ansiedade, a depressão, as condições físicas agravadas, o aumento do stress, a redução da autoestima, a perda de peso e até mortalidade prematura. Existem também evidências de que a solidão está associada à antecipação da rejeição e à reduzida capacidade de sentimentos de reforço perante estímulos positivos.

As limitações impostas pelas condições de saúde debilitadas, acrescidas da diminuição da mobilidade, podem dificultar a participação em atividades sociais e a interação com os outros, aumentando o vazio emocional e o isolamento da pessoa. Perante a existência de doença mental prévia, o estigma pode tornar a pessoa mais velha invisível e à medida que a idade avança a solidão passa a ser a principal companhia, podendo levar a uma profunda sensação de desamparo e à exclusão social.

Em Portugal, a solidão dos idosos é um problema crescente que pode ser minorado com medidas preventivas para promover a saúde física e mental a longo prazo através do envolvimento em relações sociais e afetivas e no investimento em atividades sociais, físicas e culturais em que predomine a comunicação. Reduzir a solidão na velhice inclui, em primeiro lugar, que a sociedade reconheça a sua existência e que identifique e atue junto daqueles que apresentam fatores de risco e são particularmente vulneráveis, como as pessoas que vivem sozinhas, que têm um diagnóstico de perturbação mental, e que têm relações menos satisfatórias e afetuosas com familiares e amigos.

Para que o envelhecimento seja uma experiência positiva e para que as pessoas criem resiliência através do investimento no seu bem-estar físico, social e mental importa dar mais relevo a fatores protetores, tais como:

Falar abertamente sobre a velhice e a solidão: Isto pode ajudar a reduzir o estigma social associado ao envelhecimento e tornar mais fácil para quem sofre pedir ou aceitar ajuda sem se sentir diminuído por se encontrar vulnerável.

Envolver os mais velhos em iniciativas comunitárias de acordo com as necessidades e capacidades individuais: Promover a participação das pessoas em centros de convívio ou grupos de interesse (paróquia, centro social, ocupação de tempos livres, voluntariado, etc.) de modo a se conectarem com pessoas de diferentes faixas etárias, aprenderem e contribuírem com os seus saberes e competências para aumentar a rede social, o sentido de pertença e a satisfação com a vida.

Cuidar das relações ao longo da vida: Não basta a presença física ou o número de pessoas à volta, mas sim a existência de relacionamentos sociais e emocionais significativos que contribuam para a construção de um sentido de valor e de importância para si e para os outros.

Estimular o autocuidado: A adoção de um estilo de alimentação saudável, bons hábitos de sono e a participação em atividades físicas e em momentos de lazer ajudam a manter a mente ativa, as pessoas relaxadas e com bem-estar. Deve ser dada igual atenção aos exames e às consultas médicas regulares.

A solidariedade intergeracional é outro aspecto a ser cultivado, proporcionando aos jovens a noção da importância da ajuda às pessoas mais velhas, dado que estas têm muito para dar em termos de afeto e de conhecimento, ao mesmo tempo que se desfazem crenças e atitudes preconceituosas relativamente ao que é ser velho.

Em última análise, dada a conotação negativa do envelhecimento na nossa sociedade, muitas pessoas têm medo ou vergonha de falar sobre esta fase da vida. Devemos, sim, pensar sobre e abordar o envelhecimento em família, antecipando questões emocionais, como a solidão, a continuidade e o propósito da vida, a necessidade de ligação com as pessoas próximas, além de questões práticas, como a reforma, os afazeres diários e a (in)dependência.

Envelhecer com dignidade e qualidade de vida é também ressignificar experiências passadas e estimular o crescimento pessoal.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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