Quando entrei para a universidade, a minha mãe sugeriu-me a ideia americana de me deslocar para o campus de carro. Recusei-me prontamente a fazer isto, pois vivendo no centro de Lisboa, não só o passe era mais barato (pois na altura ainda não era gratuito), como os transportes eram claramente mais eficientes a colocar-me onde queria com um grau de consistência que não comprometeria o meu dia-a-dia. Além disto, como qualquer pessoa, detesto conduzir em hora de ponta.
No domínio dos transportes assumo-me como um privilegiado: vivo num sítio onde o sistema de transporte me deixa onde quero em tempo útil e com algum grau de previsibilidade. Não preciso de acoplar rotas de diversos meios para chegar à grande metrópole, nem de perder neurónios a planear a minha vida no quebra-cabeças que é o sistema de transportes português. Infelizmente, para a maioria das pessoas não é esse o caso.
Plantou-se (e bem), através do ensino e comunicação, a ideia de que o transporte colectivo ajuda a uma sociedade organizada, mas também mais verde. Mesmo assim, agora existindo esta consciência, as estatísticas dizem que continuamos cada vez mais a usar o transporte individual.
A mobilidade individual permite que o seu utilizador defina o horário a que vai para um dado sítio. Precisa de ir mais cedo? Atrasou-se? É de noite e já não há transportes? O carro sai sempre às horas que se decidir e o utilizador está consciente dos motivos que o levam a sair às horas que sai. Numa sociedade cuja vida se rege por horários, calendários e compromissos, articulá-los com as deslocações necessárias é fundamental.
Ao conviver cada vez mais com pessoas que não têm a sorte de viver a 15 minutos de quase tudo, percebo que a questão do tempo não é o único problema a ter em conta no quebra-cabeças que é sair e entrar na cidade. O tempo de viagem é, na realidade, das variáveis que é menos díspar quando se compara a mobilidade individual e a colectiva. O que mais falha, na realidade, é a previsibilidade do serviço e a informação disponível ao utilizador destes meios.
Se já se podem apontar problemas nos grandes centros urbanos, fora deles o problema só se multiplica. Os transportes não só têm horários mais limitativos quando comparamos com as cidades, como são menos previsíveis na sua chegada (se alguma vez chegarem). Alguns terminais não têm informação sobre o estado dos vários serviços de transportes, têm horários desactualizados e por vezes nenhum ponto ou meio de esclarecimento ou reclamação facilmente acessível.
Então, e como é que os utilizadores destes transportes muitas vezes percebem que um serviço não será feito? Esperam na paragem. Entretanto, enquanto esperavam pelo transporte que nunca apareceu, o transporte alternativo já partiu, o que exige um novo ciclo de espera. E nisto se vão perdendo minutos, horas, dias, aulas, consultas, salários. Este ciclo é bastante mais regular que o desejável e (surpresa), empurra muitos de volta para o transporte individual.
A sociedade que temos obriga-nos a calcular a nossa vida em função do tempo que demoramos a transitar entre pontos. Não basta existir uma rede de transportes, deve também, acima de tudo, existir uma rede fiável que ponha os utilizadores a par do estado dos serviços de transporte que utilizam, para que possam tomar uma decisão informada sobre as rotas que lhes beneficiam mais a vida.
O planeamento da mobilidade por parte do utilizador é fundamental, especialmente quando se vive em zonas cuja oferta é mais limitada. No fundo, é tentar imitar as vantagens de previsibilidade e consistência que o transporte individual permite, o que ajuda a que muitos o considerem uma alternativa viável para o cumprimento dos seus compromissos diários.
Até esta informação estar disponível ao utilizador, por mais rotas e redes que se criem, usufruir de um serviço de transporte colectivo continuará a ser uma aventura não solicitada e um facilitador da mobilidade individual. Até indícios em contrário, ponho as minhas esperanças na descoberta do teletransporte.