Jornal e rádio da Guarda investigados por fraude na obtenção de subsídio
Empresa do director fornecia serviços para serem pagos com verbas dos Incentivos do Estado à Comunicação Social. Lei proíbe aquisição de bens e serviços a “terceiros relacionados” com beneficiários.
O Ministério Público está a investigar as empresas Jorinterior e Radialtitude, respectivamente proprietárias do semanário O Interior e da emissora Rádio Altitude, por suspeitas de fraude na obtenção de subsídios. A informação foi confirmada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que não confirmou nem desmentiu a recente realização de buscas nas instalações daquelas empresas. Fontes locais afirmam, todavia, que tais diligências tiveram lugar há cerca de um mês. O director de ambos os órgãos de informação, Luís Baptista Martins, não quis prestar quaisquer esclarecimentos.
De acordo com a PGR, o processo está em segredo de justiça e não tem arguidos constituídos. A investigação do Departamento de Investigação e Acção Penal Regional de Coimbra surge na sequência de comunicações da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), entidade responsável pela gestão dos Incentivos do Estado à Comunicação Social de âmbito regional e local na Região Centro.
Entre 2020 e 2023, a Rádio Altitude e O Interior apresentaram à CCDRC oito candidaturas a diferentes tipologias daquele programa de incentivos, metade das quais foram excluídas por não se encontrarem devidamente instruídas, antes mesmo de serem analisadas. Uma outra foi objecto de desistência antes de ser avaliada, e três foram aprovadas com a atribuição de um total de cerca de 56 mil euros de subsídios.
As suspeitas que recaem sobre as duas empresas prendem-se com o facto de o principal fornecedor de bens e serviços cuja aquisição estava prevista nalgumas daquelas candidaturas, ou mesmo em todas, ser uma empresa cujo único sócio e gerente é Luís Baptista Martins – a L. Augusto, Publicidade Unipessoal, Lda. O problema reside no facto de o regulamento dos Incentivos do Estado à Comunicação Social obrigar a que os bens e serviços pagos com esses apoios sejam adquiridos a “terceiros não relacionados com o adquirente”.
Além de dirigir O Interior e a Rádio Altitude, Luís Baptista Martins – que foi punido em 2022 pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista por acumular actividades de publicidade e marketing com o jornalismo – partilha o capital da Jorinterior com Luís Carrilho de Almeida, o empresário de hotelaria, restauração, transportes e imobiliário que detém 100% da Radialtitude.
Tentativa também é punida
As suspeitas de fraude na obtenção de subsídio, crime que é igualmente punido na forma tentada, surgiram em 2022 quando os serviços da CCDRC se aperceberam de que uma factura, no valor de 14 mil euros e relativa à “produção de conteúdos audiovisuais”, apresentada para reembolso do incentivo de 70% aprovado no âmbito de um projecto de “desenvolvimento digital” da Jorinterior, tinha sido emitida pela empresa do seu sócio Luís Baptista Martins. Posteriormente, a CCDRC verificou que duas outras despesas previstas no mesmo projecto, referentes a “formação” e “difusão de conteúdos em streaming”, no valor de 4200 euros, respeitavam ao mesmo fornecedor. Por essa razão, foi decidido cortar 18.200 euros ao investimento elegível, a que corresponde, segundo os dados fornecidos ao PÚBLICO pela CCDRC, uma redução no subsídio aprovado de 24.068 para 11.328 euros.
Embora a Jorinterior tenha sido notificada desta decisão em Janeiro do ano passado, pelo menos uma das duas candidaturas apresentadas dois meses depois pela Radialtitude continuava a ser instruída com facturas pró-forma emitidas pela L. Augusto, Publicidade no montante de cerca de 30 mil euros. Tais facturas referiam-se, essencialmente, à produção de um novo site para a rádio, desenvolvimento de aplicações e serviços de e-marketing, actividades não inscritas no respectivo objecto social.
Sendo Baptista Martins director da Rádio Altitude e sócio na Jorinterior do seu proprietário e gerente, tudo indica estar-se novamente perante a violação da obrigação de não contratar fornecedores “relacionados com o adquirente”. Situação idêntica tinha ocorrido pelo menos com duas das candidaturas de 2021 e 2022. Esta questão não chegou, contudo, a ser analisada pela CCDRC, uma vez que, de acordo com o serviço de comunicação daquela entidade, as candidaturas foram excluídas logo na fase instrutória.
Quanto à candidatura na qual foi aprovado, em 2021, um subsídio de 30 mil euros para a “modernização tecnológica” da Rádio Altitude, o PÚBLICO não conseguiu esclarecer se também foram apresentadas facturas da empresa do seu director. Já no segundo semestre do ano passado, a CCDRC cancelou também a comparticipação do Estado nas despesas de expedição postal de O Interior para os seus assinantes e obrigou a Jorinterior a restituir cerca de dois mil euros indevidamente recebidos. Motivo: uma acção de fiscalização verificou que a tiragem do semanário pouco passava dos mil exemplares, quando aquele apoio é reservado a publicações de âmbito regional com pelo menos 1500 exemplares.