Em 2024, após um extenso debate que se estendeu por mais de uma década, foi finalmente aprovado o concurso público para o transporte de alta velocidade em Portugal, conhecido como TGV. Este marco histórico para o futuro da mobilidade nacional incita-nos a examinar exemplos de países onde o transporte de alta velocidade desempenhou um papel crucial na revolução da economia local.
Um dos exemplos mais notáveis é o da China. Num país de dimensões continentais, o rápido transporte de bens e mercadorias tem sido historicamente visto como indispensável. O grande Canal, construído durante a dinastia Sui há mais de 1400 anos, é um exemplo emblemático. Esta via navegável, a mais longa construída pelo ser humano, permitiu um transporte mais rápido e eficiente de grão, do sul da China, para a capital, Pequim, e continua a ser parcialmente utilizado nos dias de hoje.
No século XXI, um exemplo mais relevante é o desenvolvimento da rede de transporte de alta velocidade na China. Nos anos 90, impulsionado pelos resultados da reforma económica liderada por Deng Xiaoping e pelo rápido aumento do número de passageiros na rede ferroviária, o governo chinês iniciou a análise para a implementação de uma rede de transporte de alta velocidade.
Essa rede foi inspirada pelo notável desempenho da rede japonesa Shinkansen inaugurada em 1964, com a linha Tōkaidō Shinkansen, que liga Tóquio a Osaka. A rede Shinkansen no Japão é extensa, cobrindo aproximadamente 2951 quilómetros, que se estende por várias linhas principais, que se interconectam com as principais regiões e cidades do Japão. Na rede Shinkansen os comboios são famosos pela sua pontualidade, segurança e velocidade, atingindo velocidades de até 320 km/h.
Neste sentido, nos finais dos anos 90 as melhorias e atualizações na rede ferroviária chinesa estenderam-se por todo o país. Contudo, só em agosto de 2008 é que a primeira linha ferroviária de alta velocidade entre Pequim e Tianjin, uma cidade portuária a cerca de 120 km da capital chinesa, foi oficialmente inaugurada. Este período coincidiu com a abertura dos Jogos Olímpicos de Verão de 2008, em Pequim.
O transporte de alta velocidade Pequim-Tianjin reduziu o tempo de transporte entre as duas cidades para apenas 30 minutos, impulsionou a integração económica da região e dinamizou o setor imobiliário de Tianjin, com muitos habitantes a optar por estabelecer-se em Tianjin e trabalhar em Pequim. Apesar das dúvidas iniciais sobre a rentabilidade deste investimento, estima-se que em 16 anos de operação já tenham circulado 350 milhões de passageiros por esta linha, o que a um preço médio de bilhete de 50 rmb (cerca de 6,5 euros), supera o preço de breakeven de rentabilidade do projecto.
Adicionalmente, estima-se que o desenvolvimento desta linha tenha aumentado o Produto Interno Bruto (PIB) do distrito de Wuqing, em Tianjin, por onde a linha passa, em mais de cinco vezes nos últimos 16 anos.
Um ponto estratégico que levou à priorização do transporte de alta velocidade entre Pequim e Tianjin é que Tianjin é sede do maior porto do Norte da China. Esta localização é fundamental para o abastecimento de bens para Pequim. Com conexões com mais de 800 portos em mais de 200 países e regiões em todo o mundo, a infraestrutura portuária de Tianjin serve como um elo vital no comércio internacional, abrangendo aproximadamente 52% da área total da China.
O ano de 2008 marcou, igualmente, a conclusão parcial da linha Xangai-Wuhan-Chengdu. Finalizada em 2013, esta linha estabelece uma ligação vital entre o centro económico de Xangai e o seu porto, o mais movimentado da China continental, com as regiões ocidentais do país. Esta interligação tem desempenhado um papel significativo na mitigação das disparidades económicas entre a costa leste da China e as áreas com baixa densidade populacional do centro do país. Um exemplo concreto da integração económica tem sido a realocação dos centros de operação de várias empresas estatais para zonas mais remotas, fomentando novas oportunidades económicas.
Desde o expressivo investimento realizado em 2008, a rede de alta velocidade chinesa cresceu para uns impressionantes quase 45.000 km em 2023. Esse desenvolvimento infraestrutural tem sido tão abrangente que se estima que 93% das cidades chinesas com mais de 500.000 habitantes sejam agora acessíveis por comboios de alta velocidade.
Exemplificando as vantagens deste notável meio de transporte, consideremos o caso do percurso Xangai-Pequim, uma jornada de cerca de 1000 km:
Duração
Ao optar-se pelo comboio de alta velocidade este trajecto dura cerca de 4 horas e 30 minutos, ao qual acrescem apenas 10 minutos para o controlo de bilhetes e análise de bagagem. Essa eficiência contrasta vividamente com os voos aéreos, em que o percurso é estimado em 2 horas e 30 minutos, mas os procedimentos como check-in, controlo de segurança e recolha de bagagem facilmente adicionam 2 horas a cada viagem.
Pontualidade
A linha de comboio de alta velocidade entre Pequim e Xangai destaca-se ainda pela sua pontualidade exemplar, alcançando uma impressionante taxa de 98%. Este desempenho supera consideravelmente a fiabilidade dos voos nessa rota aérea, frequentemente sujeitos a congestionamentos do espaço aéreo e atrasos por motivos climatéricos.
Custos
Quanto aos custos, a acessibilidade surpreendente deste meio de transporte reflete-se em tarifas em torno dos 80 euros em cada um dos casos, tornando-o não apenas eficaz, mas igualmente acessível.
Emissões e Consumo Energético
Em termos ambientais, salienta-se ainda uma redução significativa das emissões de carbono e uma redução do consumo energético a rondar os 10%.
Assim, com bases nos quatro pontos mencionados, se conclui que estamos, sem dúvida, perante uma situação win-win: menor impacto ambiental, maior conforto, maior pontualidade e custos comparáveis.
Mas a eficiência da linha de alta velocidade chinesa não fica por aqui. Actualmente, para impulsionar ainda mais o desenvolvimento nacional, a China está a desenvolver um novo tipo de comboio Maglev que espera atingir os 1000 km/h, um recorde mundial e um valor superior aos típicos aviões comerciais. Se se concretizar, a distância de Pequim e Xangai ficará reduzida a apenas 1 hora!
Adicionalmente, a China continua a avançar no desenvolvimento de outros meios de transporte rodoviário. Em março deste ano, o país realizou o primeiro teste bem-sucedido do seu primeiro comboio movido a hidrogénio, alcançando uma velocidade de 160 km/h. No entanto, o aspecto mais significativo é a integração da inteligência artificial na gestão em tempo real dos seus comboios de alta velocidade. Esta implementação permitiu à China antecipar as necessidades de manutenção com uma margem de 40 minutos e alcançar uma precisão de previsão de 89%.
Por conseguinte, numa era em que a conectividade e a velocidade são essenciais para o progresso, é de congratular Portugal estar a traçar um caminho que, à semelhança da China, pode não só revolucionar a forma como nos movemos, mas também impulsionar o crescimento económico de forma sustentável. Este é um passo audacioso em direcção a um futuro de mobilidade eficiente e prosperidade económica.
Seguir o exemplo chinês e integrar a rede de alta velocidade com os portos nacionais, citando-se por exemplo o porto de Sines, poderá impulsionar significativamente a competitividade das exportações portuguesas. Essa integração reduzirá os custos logísticos e atrairá investimentos estrangeiros. Como resultado, Portugal poderá posicionar-se como um hub logístico crucial na Europa, beneficiando tanto as empresas locais quanto a economia como um todo.
Nos trilhos da ambição e progresso, os comboios de alta velocidade da China são mais do que meros veículos rápidos; são ícones de uma nação que nunca cessa de avançar. Que este exemplo inspire Portugal a prosseguir com determinação e velocidade em direcção aos nossos próprios horizontes de excelência.