Bugalho: “Se alguém fizer uma discriminação étnica condeno e levanto-me para sair da sala”
O cabeça de lista da AD às europeias não quer reformas estruturais ao funcionamento do Parlamento Europeu e diz que as suas linhas vermelhas são as mesmas que as de Ursula von der Leyen.
Com 28 anos, Sebastião Bugalho é o cabeça de lista da Aliança Democrática às eleições europeias. Em entrevista ao PÚBLICO e Rádio Renascença, o comentador político diz que o PPE tem de se adaptar a um mundo em mudança, mas não defende reformas nem alterações aos tratados. Garante que cumprirá o seu mandato europeu até ao fim e mantém que a reciprocidade é um bom princípio político (mas não fará campanha por António Costa para um cargo europeu). Embora considere que as direitas europeias são diferentes das nacionais, compromete-se a traçar "linhas vermelhas" a alguns partidos do grupo Identidade e Democracia.
Já foi candidato independente pelo CDS e agora pelo PSD. Está mais próximo de que partido?
Estou próximo da Aliança Democrática (AD), o projecto que me convidou foi a AD. Não escondo que as minhas origens políticas, sempre como independente, começaram no CDS, vêm do CDS, e também não ignoro que a AD é liderada pelo Luís Montenegro, que é presidente do PSD. Mas sou um independente da área política do centro-direita. Do ponto de vista partidário ainda sou um iniciante.
Nunca pensou em inscrever-se num ou noutro partido?
Vou fazer a campanha como independente e exercerei o meu mandato da forma mais independente possível. O nosso manifesto e a nossa equipa, nomeadamente a da AD, tem vários graus de demarcação e de independência face ao PPE [Partido Popular Europeu]. Até aí seremos independentes.
O primeiro-ministro tem dito várias vezes que as europeias não são a desforra das legislativas, mas podem ser entendidas como umas primárias das eleições antecipadas?
Não vale a pena fazermos o falso discurso de que existem eleições num país e que ninguém vai fazer uma reflexão no dia a seguir às eleições. Claro que vamos analisá-las e reflectir sobre os resultados, inclusivamente eu próprio, a AD e os nossos adversários. Estas eleições importam. Importam para o país, importam para o futuro da Europa e também importam...
... para o Governo, que não sabe se vai ter orçamento para o próximo ano.
Importam para os equilíbrios políticos que neste momento não são evidentes na Assembleia da República. Não posso antecipar uma segunda volta [das legislativas] porque da parte do PS não ouço ninguém dizer que vai chumbar o orçamento.
Mas também não ouve que vai passar.
Isso é verdade. Mas estou convicto que o orçamento vai passar, que não vai haver eleições antecipadas e que vai haver estabilidade política.
Durante quatro anos?
Não sei porque eu não estou no Parlamento, nem sou líder da oposição.
Caso existam eleições antecipadas, admite ser candidato?
Não, absolutamente que não. Há cabeças de lista e membros de listas que são concorrentes da Aliança Democrática que foram candidatos à Assembleia da República (AR) até há muito pouco tempo, no PS e fora do PS. Mas não tenciono ser candidato nessas eleições antecipadas, não tenciono ser candidato nas eleições autárquicas de 2025 e também posso dizer que, por razões legais, não posso ser candidato às presidenciais de 2026. Não sei se os meus adversários se podem comprometer a não concorrer a estas eleições todas que aqui referimos.
Disse que é independente porque não tem medo de dizer o que pensa. Qual é a sua opinião sobre a atitude do presidente da AR na semana passada. Também acha que um deputado pode chamar burra ou preguiçosa a uma etnia ou raça?
Legalmente e do ponto de vista regimental, um deputado pode dizer isso. Moralmente e politicamente não o deve fazer.
O presidente da AR esteve bem ou deve fazer uma advertência?
O equilíbrio entre a liberdade de expressão num Parlamento, que tem de ser sagrada, é muito difícil de gerir com a defesa de direitos de minorias e direitos humanos. Se estiver algum dia sentado num plenário, seja na AR, seja no Parlamento Europeu (PE) e alguém fizer uma discriminação étnica desse género ou sobre qualquer outro tipo de minoria, posso garantir que só teria duas reacções: a primeira era responder para condenar e a segunda era levantar-me para sair da sala.
Além dos Assuntos Externos, em que comissão do PE gostaria de se sentar? Alguma que faça ponte com Portugal, como o Turismo, a Energia, o Ambiente?
Os Assuntos Externos têm tudo a ver com Portugal, porque são os assuntos que têm a ver com política externa, com paz, com conseguir soluções para terminar conflitos, com assuntos humanitários, com o que se passa no Médio Oriente.
Outra comissão onde manifestei algum interesse foi a do Mercado Único, porque tem a ver com o processo de alargamento que está em curso, com vários Estados com estatuto de pré-adesão. É um tema que me interessa, porque acho que o futuro da Europa é um futuro com alargamento. Quero muito que Portugal tenha um papel activo no modo como o alargamento se vai desenrolar.
No PE, os deputados eleitos pela AD irão integrar a família política do PPE. Qual será a posição da AD face a partidos de direita radical e extrema-direita? O “não é não” nacional deverá ser também um “não é não” europeu?
São “nãos” diferentes.
Mas os perigos são os mesmos.
São, apesar de as direitas não serem as mesmas. Não há “geringonça” no PE, não é? Não vou ter que me aliar com o Identidade e Democracia para fazer uma maioria parlamentar e governar. A realidade não é a mesma. E as direitas e as extremas-direitas também são diferentes nas suas famílias. Há partidos que fazem parte dos Conservadores e Reformistas, com os quais eu, obviamente, não tenho hipótese de diálogo. Mas há partidos dos Conservadores e Reformistas onde acho que o diálogo é possível. Há partidos do Identidade e Democracia, nomeadamente o Alternativa para a Alemanha (AfD), onde não há qualquer hipótese de diálogo.
Este grupo dos Conservadores e Reformistas integra partidos de extrema-direita, como o Vox. Tem as suas linhas vermelhas? Quais são?
As linhas vermelhas da AD no PE são as linhas vermelhas de Ursula von der Leyen enquanto presidente da Comissão Europeia. Rejeita partidos que não sejam europeístas, que não cumpram com os regras do Estado de Direito e que não apoiem a Ucrânia. Estas são as linhas vermelhas de Ursula von der Leyen nas quais, pessoalmente, me revejo. Mesmo quando o PPE vai mais à direita ou tem posições mais ortodoxas, nomeadamente em relação às taxas de juros ou nas questões do Pacto de Asilo e Migrações, o PSD e o CDS não abdicaram de ter a sua própria posição.
Uma das medidas do programa da AD é incluir o direito à habitação na Carta dos Direitos Fundamentais da UE. É meramente simbólico (o PE não tem poder legislativo). Qual o efeito prático desta medida?
Não é meramente simbólico. Marta Temido anunciou que votará a favor dessa resolução se for apresentada no PE. Já há um consenso de que deve ser consagrada e alargada.
Mas isso reflecte o apelo que António Costa fez o ano passado, em Setembro, quando pediu à presidente da Comissão Europeia que houvesse uma resposta conjunta à crise da habitação.
Não, porque não é a mesma coisa. Os mecanismos são diferentes. O simbolismo faz parte da política. António Costa tem uma visão, ou tinha ― porque é ex-primeiro-ministro ― para a habitação e para a Europa. Nós temos outra. Só poderíamos, de boa-fé, chegar ao PE e apresentar estas propostas se garantíssemos uma base jurídica e a abertura de um horizonte legal e constitucional, para depois avançarmos com propostas que não, como se diz no futebol, batessem na trave. Se não fazia a campanha toda a prometer soluções aos portugueses para a habitação, chegava ao PE e não conseguia aprovar nada.
Mas o PE não legisla.
O PE não tem iniciativa legislativa, mas tem iniciativa política. Podemos avançar com uma proposta para universalizar o direito à habitação na Carta dos Direitos Fundamentais e a partir daí chegar às propostas. Poderia garantir que a Europa forneceria uma garantia europeia para a primeira habitação aos jovens.
A nossa ideia é animar o mercado através de uma garantia que é dada pela União Europeia. Não há uma solução estatista. António Costa queria resolver o problema pedindo dinheiro à União Europeia. Nós queremos soluções que sejam mais sociais-democratas no sentido em que conciliam mercado, Estado, Europa e responsabilidades nacionais.
É a UE não ser um mero multibanco, como disse na apresentação do manifesto eleitoral. Mas não é isso que tem sido? Com todo este debate que temos feito à volta dos PRR?
Nós só falamos da UE sobre o dinheiro que ela nos dá ou com o défice que nos obrigava a não ter. Para os portugueses, mais do que para os políticos, a Europa é muito mais do que isso. É um espaço de liberdade, segurança, justiça, partilha. É preciso procurar soluções novas. O PPE existe, como nós o conhecemos, desde 1997. Eu nasci em 1995. Obviamente que alguém que tem estes anos de vida não fez sempre tudo bem. A realidade vai mudando. Nós também temos que nos adaptar a um mundo em mudança.
Que soluções novas e reformas prioritárias considera que o PE deve fazer? O PPE discorda que tenha um papel legislativo. Tem uma posição diferente?
Há uma grande distância entre as instituições europeias e os europeus, mas não há uma grande distância entre os europeus e a União Europeia. E o PE pode ter uma responsabilidade nessa aproximação. Não é preciso descobrir a pólvora para resolver o problema: é fazer cumprir o Tratado de Lisboa. Ou seja, fazer com que os parlamentos nacionais sejam mais incluídos e façam parte com mais protagonismo, com maior dimensão, no processo legislativo e no processo político europeu.
As coisas não estão assim tão más. Nos últimos mandatos, nomeadamente com a presidente do Parlamento Europeu Roberta Metsola, apesar de não ter competências directas de política externa foi possível a Europa ter uma voz humanitária, defensora de direitos e com presença em locais de crise humanitária e locais de guerra.
Mas descarta um papel legislativo para o PE.
Nós temos capacidade de iniciativa política. Esse tipo de reformas implicaria mudanças de tratados. E a nossa posição de princípio é que não somos favoráveis a grandes mudanças estruturais do ponto de vista dos tratados. Achamos que há outras prioridades, nomeadamente defender a Europa da guerra.
Vai cumprir as recomendações, quer da Comissão, quer do Parlamento Europeu, e deixar de ter TikTok?
No dia em que a União Europeia considerar que o TikTok é uma ameaça à segurança nacional portuguesa ou europeia, rapidamente a minha conta deixará de existir.
Quando num primeiro momento foi questionado sobre se apoiaria a candidatura de António Costa a um cargo europeu, disse que “a reciprocidade é um bom princípio”, recordando o apoio que Costa declarou a Durão Barroso. Teve indicação da AD para recuar neste apoio?
Continuo a considerar a reciprocidade um bom princípio porque não mudo os meus princípios conforme a política. Ninguém da AD me procurou pressionar em nenhum dossier.
Então estaria disposto a apoiar António Costa?
Os eurodeputados, como se sabe, não têm voto na matéria do presidente do Conselho Europeu.
Mas um apoio público tem peso político.
António Costa fez um compromisso solene ao país de que não assumiria qualquer cargo público ou oficial enquanto a sua situação judicial não estivesse esclarecida, coisa que até hoje não está. Mas vou responder da forma mais franca e transparente possível. Não vamos fazer campanha a favor de António Costa. Não nos vamos pendurar em cima da situação de António Costa para fazer campanha. Mas também não vamos fazer campanha a favor dele.
Título actualizado: A versão actualizada altera o título para clarificar que primeiro o candidato da AD condenaria o insulto e só depois sairía de sala.