Num país em que 70% dos jovens até aos 29 anos ainda vivem com os pais — e onde o preço das casas não deverá deixar de aumentar, de acordo com os cálculos da Comissão Europeia —, como é que alguém pode comprar casa?
Foi esta a pergunta que o P3 fez a cinco jovens que conseguiram comprar casa antes dos 30 anos, com ou sem ajuda dos pais, solteiros ou em casal, no interior ou no litoral. Ouvimos histórias de quem aproveitou incentivos à habitação jovem, quem está a construir a própria casa ou de quem escolheu viver numa carrinha — e ganhar a liberdade de viver onde quiser.
Como conselhos sublinham a importância da literacia financeira e da poupança. Há também quem admita que se trata apenas de sorte. Até ao final do mês, o Governo deverá apresentar a medida sobre garantia pública para viabilizar crédito à habitação para jovens, que já se sabe que só irá cobrir o valor de entrada da casa.
Mélanie Rodrigues, de 32 anos, Vila Nova de Gaia (Porto)
Mélanie trabalha numa agência de marketing e gestão de redes sociais e comprou casa, um apartamento em Vila Nova de Gaia, há dois anos e meio. Saiu de casa dos pais, no interior do país, quando acabou os estudos superiores — a partir daí, começou a dividir casa. “Dividi casa durante quase dez anos, mas cheguei a um ponto em que estava a ser insuportável. Precisava do meu espaço, mas os valores de arrendamento estavam altíssimos”, contou.
O valor de entrada do crédito à habitação eram os habituais 10% do total da compra. Felizmente “já tinha algum dinheiro guardado e pais dispostos a ajudar”, conta ao P3. Hoje, paga, com o seu salário, as prestações do empréstimo para a compra da casa. Mas admite que é cada vez mais “difícil de gerir”, por causa do “aumento das taxas de juro”.
O orçamento é apertado. Diz que só consegue fazer “planos diferentes” de vez em quando e é porque tem uma segunda ocupação. Caso contrário, “estaria numa situação muito apertada”, descreve.
Depois de alguns meses na Internet e a contactar agências imobiliárias, encontrou o seu apartamento, num prédio com quase 25 anos. O T2 em Vila Nova de Gaia tem sala e cozinha separadas, uma casa de banho, dois quartos e cumpre quase todos os critérios que Mélanie tinha estabelecido: “O preço, uma varanda e uma garagem.” Só abdicou de um: “Queria que fosse central, no Porto até. Rapidamente percebi que era incomportável...”
Aos jovens que pretendem fazer o mesmo, deixa alguns conselhos: ir presencialmente às agências imobiliárias e explicar a tipologia de casa que pretende, ter o cuidado de ver se as obras estão “bem-feitas” para que não se gaste mais dinheiro com elas mais tarde. E, por fim: “Arranjem uma agência imobiliária com a qual se sintam seguros. Há muitos papéis e burocracia e é importante que percebam o que está a acontecer.”
Mariana Marques, de 25 anos, Gavião (Portalegre)
Mariana, de 25 anos e recrutadora especializada na área de informática, procurou soluções públicas que tornam o processo da habitação mais acessível. Foi com base num programa de incentivo para os jovens que conseguiu comprar um terreno em Gavião, Portalegre.
“A Câmara Municipal de Gavião tem iniciativas para ajudar os jovens na aquisição de uma habitação, para os incentivar a ficar lá. Havia um terreno enorme, fizeram uma operação de loteamento e colocaram os lotes a um preço simbólico”, contou.
Foi com o namorado de 28 anos que conseguiu, sem ajuda de terceiros, comprar o terreno de 555 metros quadrados, por um valor entre os 4000 e os 5000 euros. Sem esquecer que, depois de ter pedido a licença de construção, a autarquia se comprometeu a “devolver mais de metade do valor do terreno”.
Mariana explicou a decisão: “Se tivéssemos outra capacidade financeira, provavelmente íamos para outro sítio. Mas queríamos começar a nossa vida adulta, então aproveitámos esta oportunidade há três anos.” Ainda não iniciaram o processo de construção, mas querem que comece ainda este ano.
Questionada sobre se não era um entrave mudar-se para uma localidade com cerca de 3000 habitantes, foi assertiva: “Não. Sinto que é no interior que tenho qualidade de vida e tenho a sorte de o meu trabalho ser remoto. Mesmo que não fosse, acho que preferia deslocar-me todos os dias para Lisboa e continuar a viver aqui.”
Rita Oliveira, de 29 anos, Cesar (Oliveira de Azeméis, Aveiro)
Rita, que é gestora de comunicação, também se afastou das grandes cidades. E também beneficiou de um contexto particular.
Começou a procurar casa em 2021, quando “os preços não estavam como entretanto ficaram, mas já estavam bastante inflacionados”. Viu, com o namorado, apartamentos e casas “com valores absurdos”.
A mãe e os tios herdaram terrenos e pavilhões. A parcela herdada da mãe tinha um pequeno terreno com uma casa. A casa esteve arrendada até 2022, por isso Rita nunca a considerou uma opção. A mãe acabou por propor que a moradia fosse passada para o seu nome, proposta que acabou por aceitar. Afinal, queria continuar a viver numa casa onde pudesse ter “a sua privacidade, um quintal e até plantações”.
A ideia era fazer apenas algumas obras, mas acabaram por reconstruir a casa que já existia. Hoje, está “em fase de acabamentos, mas já com tudo aquilo que é estrutural”. Para fazer isto, o casal pediu um crédito.
Sobre o processo, “que demorou mais tempo que o esperado”, sublinha a burocracia: “Neste país é preciso um papel para tudo, é muito burocrático. Cheguei a ter de estudar, pegar nos projectos da casa, perceber a área total, a útil, entre outras coisas. Ninguém nos ensina isto.”
“Ainda bem que os meus pais, desde cedo, me ensinaram a poupar e gerir dinheiro. É importante ter um pé-de-meia porque o dinheiro anda à frente de tudo nestas questões, admitiu. Para ganhar mais conhecimento, admitiu ouvir alguns podcasts sobre finanças pessoais, como Contas-Poupança do jornalista Pedro Andersson.
Samuel Ferreira, de 27 anos, São João da Madeira (Aveiro)
Samuel Ferreira, engenheiro de software, conseguiu uma casa, mas não uma casa para toda a vida. Quando o trabalho se tornou remoto, Samuel deixou Braga, onde vivia, e rumou à cidade natal, São João da Madeira.
Habituado a viver sozinho, tinha uma certeza: “Arrendar é perder dinheiro todos os meses para algo que não se vai tornando mais meu.” Por isso, quis tentar comprar. “Não tinha dinheiro para o fazer sozinho. Os meus pais disponibilizaram-se para ajudar com o valor de entrada e agora pago-lhes o que lhes devo, bem como as prestações do crédito”, explicou.
Na altura de procurar casa, tinha alguns critérios: a proximidade do centro da cidade, que fosse imediatamente habitável (já com a maioria da mobília) e que tivesse dois quartos, um para si, outro para fazer de escritório. Apesar de ter conseguido estes requisitos, houve um outro que não teve em conta, apesar do conselho dos pais, que agora o faz querer mudar de casa: a falta de exposição solar.
Sabe que recebe mais que o salário médio e que, por isso, está numa posição privilegiada, mas deixa na mesma um conselho: aproveitar a ajuda dos pais. Além disso, assim como Rita e Mélanie, reforça a necessidade de “ter literacia financeira e perceber o que é prioridade”. “É importante pôr dinheiro de lado, sempre, mesmo que as possibilidades só permitam dez ou 20 euros de cada vez”, acrescentou.
Daniel Cunha, de 34 anos, "nómada"
Nem todos os jovens escolhem (ou conseguem) uma habitação tradicional. Daniel vive, desde Setembro, numa carrinha que se fez casa. “De Setembro a Janeiro trabalhava como analista de dados e podia estacionar a carrinha ao pé do escritório, porque era um num parque empresarial com jardim. Noutros dias decidia ir para a beira da praia.”
Desde Janeiro que não está a trabalhar, “para investir na formação”, mas por viver numa carrinha continua com independência financeira. De manhã, tem formações, de tarde, leva a casa para onde quer. Umas vezes para a praia, outras para perto de amigos que visita, tudo na zona de Óbidos (Leiria).
Admite que viver numa carrinha também tem lados negativos, como a solidão: “Não é como uma casa, em que te estabilizas e conheces as redondezas e os vizinhos...” Quem lhe faz companhia é o gato. E, por causa da solidão, às vezes vai para a casa dos avós.
A solução de Daniel é, sem dúvida, mais barata do que uma casa: “Paguei mil euros pela carrinha, era antiga e depois converti o que precisava. Consigo tomar banho e lavar a loiça, porque coloquei uma mangueira extensível”. De vez em quando, também vai a balneários públicos ou hotéis. No Inverno custa mais, porque toma banho ao ar livre, mas nada que não dê para se habituar.
Nem sempre viveu assim. Antes de comprar a carrinha, vivia numa casa arrendada, mas o que investiu na carrinha “dá para poucos meses de renda”. Admite que ainda não encontrou um lugar no país que fosse “para sempre” e que justificasse “ter uma dívida para a vida toda”.
Sobre o futuro, tem poucas certezas, mas também poucas preocupações: “Não acho que viver numa carrinha me diminua socialmente. Há muita gente da minha idade que vive em casa dos pais, eu já saí há muito tempo e o que tenho foi construído com o meu esforço e mãos”.
Nota: título alterado às 14h de 22 de Maio de 2024.