E a música? Quinze canções em defesa de Taylor Swift
Um kit de iniciação à anti-heroína da música pop, que actua este fim-de-semana no Estádio da Luz, em Lisboa. (Não inclui pulseira da amizade.)
Arranjos deslavados e metáforas de ensino básico: é disto que trata a música de Taylor Swift? Raramente.
Se o mais recente álbum da artista – The Tortured Poets Department – é uma desilusão, deve-se ao mérito de uma grande discografia, com refrães gigantes, descrições nítidas de grandes amores, e desconstruções da sua própria persona.
Sem ouvir a obra, o que se acha de Swift é só uma ideia feita. Para matar o ódio ou a curiosidade, o Ípsilon seleccionou 15 temas de uma das cantautoras mais inteligentes e expressivas da música pop do século XXI. Taylor Swift actua sexta-feira e sábado no Estádio da Luz, em Lisboa.
State of grace — do álbum Red (2012)
A bateria implacável, a reverberação da guitarra, a electricidade de estádio. São os U2 que nos chegam aos ouvidos? Não, é Swift a fazer fosquinhas a Joshua Tree: mais volume e euforia, com a vantagem do descaramento total. A emergência do amor, traduzida num crescendo incontrolável de rock.
Closure — de Evermore (2020)
A percussão maquinal e o piano aproximam Swift de referências improváveis: a Björk industrial de Selmasongs, o R&B intimista de Tirzah. Também incaracterístico é o sentimento: a rejeição das pazes com um “ex”, uma personagem já dormente do rancor, acomodada nos escombros de uma relação.
Blank space — de 1989 (2014)
Um dos grandes prazeres da cultura pop: um actor que faz de si próprio, numa versão exagerada. Seguindo as pisadas de John Malkovich ou Joaquin Phoenix, Swift fez-se conivente com as más-línguas, respondendo a anos de rumores com um auto-retrato-robô da namorada neurótica – cada verso poderia ser um refrão, e o refrão é titânico.
Mine — de Speak Now (2010)
O primeiro volume pandémico de Swift, Folklore, foi lido como uma volta de 180 graus – truque de semiótica, porque o detalhe narrativo e os estudos de personagem sempre estiveram lá. Mine, de 2010, comprova-o: entre os folhos de um arranjo alegre, esconde a crónica de dois miúdos traumatizados, a aprenderem as agruras da vida e do amor.
… Ready for it? — de Reputation (2017)
Sentindo-se demasiado escrutinada, a artista pop da década produz um álbum-vingança. A história de Reputation supera o disco, uma cacofonia de electrónica que se leva demasiado a sério, salvo excepções como esta. Tema de supervilã; um áudio-teatro frenético, cheio de subgraves, afectações hilariantes e melodias pegajosas.
It’s nice to have a friend — de Lover (2019)
Não há refrão nesta faixa: só ukulele, um apontamento de trompete, um tambor de aço, e o grande plano de um amor a florescer. Derretam-se, corações de manteiga.
All too well — de Red (2012)
Swift trabalha uma iconografia do banal, o que pode resultar em design de meter medo ao susto, mas imprime à sua poesia o poder da minudência. Balada rock de coração partido e revisitado; memórias cruas que se tornam acusações; canto doce que dá lugar à cólera – e a acusação de que o ex-namorado guarda um cachecol seu, porque lhe cheira a inocência, como uma madalena de Proust.
Anti-hero — de Midnights (2022)
Neste álbum competente, justamente criticado por roçar a estagnação, o primeiro single é o tema vencedor. Cinismo para dar e vender, humor autodepreciativo, e uma melodia discretamente aditiva – sobre percussão e teclados frios, despojados de afecto. Pop tão niilista que chega a ser enternecedora.
Our song — de Taylor Swift (2006)
Yee-haw! Se não tem estômago para o sotaque postiço, o violino country e a vozinha verde, faça o esforço. É a despretensiosa glória da pop juvenil, espremida num refrão de três minutos.
Wildest dreams — de 1989 (2014)
O sintetizador é a alma de 1989, incluindo Wildest dreams – mas esta pequena obra-prima reclama um espaço negativo. Cordas melodramáticas sobre um batimento cardíaco (estilo Born to Die, de Lana Del Rey, sem a sensibilidade hip hop); paixão máxima, a tender para o fanico.
August — de Folklore (2020)
Se Closure era amargura e cicatriz, August é desconsolo e carne viva. A meio do disco mais quieto de Swift, irrompe o grito da amante abandonada, ao reconstituir as memórias de um toque proibido. Sensível ao princípio, num leito de dream pop, deixa-se ir, instigada pelo clímax triste das guitarras e da orquestra, e dá-nos um dos picos musicais de 2020.
We are never ever getting back together — de Red (2012)
Se Red pudesse falar, diria algo como “que se lixem Nashville e os cowboys”; o disco que levou Swift para o lado sombrio da força, a rádio generalista. O preço a pagar, em vez de simplificar as composições, foi realçar a sua vocação pop, com camadas de verniz sonoro, excitação por tudo e por nada, e petulância aos altos berros.
Love story — de Fearless (2008)
Em 2023, o produtor Four Tet dedicou à sua filha uma remistura house de Love story. Saiu a sorte grande a alguns snobes, com uma razão socialmente aceite para admitirem o que sempre foi óbvio: o primeiro megaêxito de Swift é um monstro pop; um hino ao romance adolescente, do banjo esperançoso à modulação que anuncia o final feliz.
You’re on your own, kid — de Midnights (2022)
“The old Taylor” ressuscitou nesta canção de 2022, versejando como antigamente, reciclando a forma adolescente para espalmar o conteúdo: uma ilusão, nada mais. Do coração partido à salvação pela guitarra, da alienação e do transtorno à esperança de… algo que faça tudo isto valer a pena.
Enchanted — de Speak Now (2010)
O apanágio da pop, para quem ainda não o entendeu: imortalizar uma centelha de emoção, elevá-la a condição universal, difundi-la a alto e bom som. Da noite em que cruzou olhares com um estranho, Swift fez uma epopeia rock de seis minutos (sem excesso) e um dos melhores refrães do século (pode conferir) – e consagrou o seu génio.