O olhar espantado que emana dos pés da cama. O arranhar incessante da porta fechada. Aquela vez em que um terceiro elemento (fofo e de quatro patas) se intrometeu na cena.
Se alguma vez viveste com um cão ou um gato, provavelmente sabes do que estamos a falar: as inúmeras formas de os animais de companhia interferirem quando estás ocupado.
“O único sítio onde definitivamente não vamos ser incomodados é no duche”, diz Tahirah, que vive em Washington com o companheiro e um cão de raça pitbull. “O duche é sagrado”, acrescenta.
A luta para manter a intimidade quando se tem animais em casa é real — e muito comum, segundo os especialistas em comportamento animal, os terapeutas sexuais e os donos dos animais. (Os donos de animais incluídos neste artigo falaram sob anonimato parcial sobre as suas vidas sexuais; salvo indicação em contrário, são referidos apenas pelos nomes próprios.)
Abby, de Atlanta, tem cães e gosta de sair com homens que também tenham. “Acho que isso mostra que eles têm algum nível de responsabilidade”, observa. Ainda assim, esta preferência por vezes tem inconvenientes como quando namorava com um homem que vivia num estúdio.
Quando começaram aos beijos, recorda, o cão do homem começou imediatamente a ladrar e a tentar meter-se entre eles. Sem uma porta no quarto, o rapaz comprou um recinto para animais de estimação — mas não havia espaço suficiente em casa para o colocar à volta do cão. Em vez disso, instalou a rede à volta da cama.
“Eu não só estava a lidar com o barulho do cão, como também me sentia uma espécie de animal numa jaula.” A relação não durou muito.
Até os animais mais bem-comportados têm uma forma de fazer notar que estão presentes. Tahirah, em conjunto com o companheiro, ensinou o pitbull Ori a dormir na sua própria cama, no chão.
“[No entanto,] quando se trata de fazer sexo... de repente olho em volta e há um cão a olhar para mim”, conta. “Isso tira-me do momento. Tira o meu parceiro do momento. E, de certa forma, retira a espontaneidade”, afirma. Daí a santidade do duche.
Emily, que vive no vale do rio Hudson, em Nova Iorque, teve problemas de outro tipo com os seus dois gatos. Apesar de parecerem não se importar quando ela tinha relações sexuais com o parceiro, sempre que ligava o vibrador, o som provocava uma reacção muito específica por parte dos felinos: pavoneavam-se um para o outro e pareciam estar “a divertir-se imenso”.
As brincadeiras desviaram a atenção de Emily das suas fantasias: “Devia ser eu e o Cillian Murphy e não eu, o Cillian Murphy e os gatos.” (Ainda assim, admite que foi muito engraçado.)
As razões que levam os animais de companhia a interromper momentos íntimos dos humanos variam consoante as situações, mas os especialistas apontam para algumas razões. Os gatos, diz LeeAnna Buis, consultora de formação e comportamento da Feline Behavior Solutions em Portland, Oregon, muitas vezes não gostam de ficar fora do quarto e expressam a sua frustração com miados altos ou arranhões. Também interpretam o movimento debaixo dos cobertores como um convite para brincar e entram em modo de ataque.
Por outro lado, acrescentam Amy Campbell e Lillian Ciardelli, co-proprietárias da empresa de treino de animais de estimação Behave Atlanta, há muitos cães que têm dificuldade em separar-se dos humanos. Os sinais de angústia relacionada com a separação incluem choramingar, ladrar e comportamentos destrutivos por serem levados para uma zona diferente da casa.
Os comportamentos de guarda são, muitas vezes, um problema mais grave nos cães. Ocorrem quando os animais entendem que têm de defender um objecto de valor, quer seja a cama ou uma das pessoas da relação. Alguns podem tornar-se agressivos; podem rosnar, uivar ou mesmo tentar atacar um dos humanos envolvidos no romance. Estes comportamentos podem piorar gradualmente, por isso não os ignores. (E, normalmente, quaisquer alterações comportamentais súbitas no teu animal de companhia são uma razão para contactares o veterinário que o segue.)
Também há outra razão comum para os animais interromperem o romance que é muito menos grave: querem participar nos bons momentos.
“Ela tem FOMO” (“medo de perder algo”, em tradução livre), explica Jean que vive em Los Angeles com a cadela de raça shih tzu de quase quatro quilos chamada Peach. (Jean pediu para ser identificada pelo seu nome do meio porque o seu primeiro nome é invulgar.)
“Ela sabe que há algo divertido a acontecer na outra divisão”, acredita. Tentou pô-la num parque para cães e deixou-lhe um brinquedo para a manter ocupada, mas o interesse da cadela pelo que está a acontecer à porta fechada é implacável. E, por isso, ladra o tempo todo.
Os donos dos animais podem, pelo menos, ter a certeza de que as espécies não compreendem os pormenores do que se está a passar. Apesar de os sons, movimentos e cheiros de uma brincadeira romântica poderem desencadear reacções nos animais, “não é como uma criança pequena que entra em contacto com os pais e sente que está marcada para o resto da vida”, afirma Kate Anderson, professora assistente no Instituto Duffield de Comportamento Animal de Cornell.
Em vez de reconhecerem o sexo como uma actividade de acasalamento, Kate diz que os cães e gatos que interrompem os donos estão muitas vezes apenas a reagir ao facto de a atenção não estar virada para eles.
Se alguém fica marcado pela experiência, é muito mais provável que seja o humano. Tahirah, por exemplo, sente-se estranha por Ori estar presente no momento íntimo. “O meu cão não, o meu bebé não!”, recorda-se de ter pensado sempre que o pitbull ficava a olhar.
Contudo, há esperança para os donos de animais que procuram mantê-los fora da sua intimidade.
Os especialistas em comportamento recomendam que se trabalhe para mudar a associação de um animal com uma porta fechada para algo mais positivo com a utilização de guloseimas ou brinquedos. “É tão simples como fazer com que aconteçam coisas boas para o teu gato, quando uma porta se fecha atrás dele”, explica LeeAnna Buis.
No caso dos cães, pô-los num recinto pode ajudar, acredita Amy Campbell. O animal pode assim habituar-se à distância sem deixar de ter o dono à vista.
Treina o teu cão para se sentar calmamente do outro lado da grade, recompensando este comportamento com um snack que demore mais tempo a mastigar, um tapete para lamber [e com um alimento] ou um kong (brinquedo com comida) — algo que desvie a atenção do dono. Aumenta lentamente o tempo em que fica longe de ti, ou o tempo entre as recompensas, até chegares a uma porta fechada e repetires a mesma rotina por ele se mostrar calmo e tranquilo. (As grades para animais de companhia também podem funcionar com gatos pouco desportivos.)
Se não quiseres partilhar a cama com o teu animal, podes poupar-te a alguns problemas habituando-o a dormir no espaço dele desde o início. Segundo Kate Anderson, é muito mais difícil deixar de dormir com um cão quando se torna um hábito.
“Passo muito tempo a tentar retirar cuidadosamente os cães do quarto. Infelizmente, as pessoas acabam por não dormir com o seu parceiro, porque os cães não dormem sozinhos.”
A afirmação reforça uma observação comum entre os terapeutas sexuais: apesar de ouvirem frequentemente os clientes dizerem que os animais os impedem de fazer sexo, os profissionais afirmam que a culpa é, muitas vezes, dos próprios.
Andrea Battiola, fundadora da clínica Peak Couples and Sex Therapy em Washington, tem pacientes que aceitam que os animais durmam com eles, o que “pode acabar por actuar como uma barreira muito física às oportunidades de intimidade”.
Em vez de expulsar os animais, Andrea sugere repensar o momento da intimidade. “Muitas vezes, quando dizemos que um animal de companhia é uma barreira para o sexo, isso geralmente acontece na hora de deitar. E, de um modo geral, independentemente de haver ou não um animal de companhia na tua vida, separar o sexo da hora de dormir é uma boa ideia, porque, muitas vezes, à hora de dormir estamos cansados”, afirma.
A par disto, reparou que, por vezes, os humanos utilizam os animais como bodes expiatórios. “Digamos que um dos parceiros se sente realmente insatisfeito com o sexo que está a ter, mas, por uma série de razões, tem dificuldade em falar disso com o outro”, esclarece. Acrescenta que, em vez disso, pode usar a presença do animal como forma de evitar o assunto.
Ian Kerner, terapeuta sexual e de casais em Nova Iorque, concorda com a ideia e diz mesmo que uma das principais desculpas que os casais dão para o declínio da intimidade é a interferência dos animais. Ainda assim, mostra-se céptico.
“O sexo é uma parte tão importante de uma relação saudável, e culpar o cão ou o gato pela vida sexual fraca parece-me uma desculpa ridícula”, observa.
Como amante de cães, vê muitas outras formas de os animais de companhia contribuírem para a satisfação geral da relação: “Ajudam os casais a rir e a discontrair-se. Fazem sobressair o amor e a ternura. Suscitam o riso, experiências e rituais em conjunto.”
Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post