O Radical Optimism de Dua Lipa: regresso ao centrão pop

Quase tão orelhudo como esperado, tão radical como uma T-shirt de Che Guevara.

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Radical Optimism é o terceiro álbum de estúdio de Dua Lipa Tyrone Lebon
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Um tubarão emerge à tona da água, mas Dua Lipa não está nem aí na capa do seu novo álbum. Um encolher de ombros, um ar imperturbável: abraçar a fleuma britânica, para uma cantora habitualmente tão contraída e dominante, seria uma reinvenção de nota. Foi o que Lipa espalhou por toda a parte, jurando fidelidade aos dias psicadélicos dos Primal Scream e à rugosidade da Britpop à Blur e Oasis; o título do produto é Radical Optimism.

Passado por uma das maiores marcas registadas da música mainstream, coqueluche das rádios desde 2017, quão provável era este cheque ser careca? Cerca de 100%. Grande alívio: a hipérbole – para não dizer o embuste – é crucial no empreendimento de uma campanha pop. Um perlimpimpim de demagogia para fintar a sensação de familiaridade, antes de o facto musical vir a lume.

Não seria prudente esperar alguma irreverência, dado o envolvimento de Kevin Parker? Não, se ainda houvesse memória do pálido single que o chefe dos Tame Impala cozinhou para Lady Gaga (Perfect illusion, de 2016). O produtor Danny L Harle, presente em todas as faixas, é o único erro de casting: apesar de a sua fama vir do hyperpop e de um trabalho verdadeiramente disruptivo com Caroline Polachek, ei-lo recrutado para compor pop branda, sem surpresas dentro das fórmulas. Seja feita justiça, ainda assim: o novo álbum de Lipa é uma construção maciça e envernizada, de vozes potentes, guitarras consistentes, teclados ágeis, percussão com personalidade.

Depois de Future Nostalgia, campeão da pandemia, que em 2020 encorajou o revivalismo disco, Radical Optimism quis-se bronzeado e de baixo risco. Destina-se menos à rave como fora publicitado; é muito mais sugestivo de uma ressaca matinal em Ibiza, ano 2001, a entreouvir Télepopmusik, Kylie Minogue e iio por umas colunas espatifadas. Funciona quando a ligeireza está no ponto: é ouvir Lipa carregar a mágoa blasé de These walls, com sabor a ABBA, e a falsa balada, estilo Donna Summer, de Anything for love. Mas essa serenidade ainda não lhe é natural; volta e meia, regressa à rispidez, o que estraga Whatcha doing, ao passo que saca vitórias de Falling forever (eurovisivamente épica) e Happy for you (um sorriso amarelo e retumbante).

O saldo é positivo, especialmente graças a Houdini, pura electricidade: a textura e a sujidade dos sintetizadores, quando se fazem ouvir na rádio, são sempre um evento; recusam tornar-se música de fundo. Não significa que seja radical, claro: em termos de operação comercial, os ídolos raramente se desviam da lógica de uma multinacional.

A diferença está na ambição do gesto: Future Nostalgia, matematizado para a máxima perfeição, sabia que era uma jogada de alto risco, um momento para consagrar ou perder uma estrela pop. Agora, Dua Lipa quer parecer menos inquieta com a construção de um legado, chapinhando novas águas com aparente liberdade – mas as braçadeiras estão mal-escondidas. Nesse caso, para que serve o optimismo radical?

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