Azul
Nada será como antes, amanhã
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Ainda que já fora do tempo, a canção de Milton Nascimento podia vir ainda a propósito do aniversário dos 50 anos do 25 de Abril, já que é considerada, no Brasil, um hino de oposição à ditadura. Mas a questão "do amanhã" que vos quero falar não tem que ver com a música popular brasileira nem com política ou sobre um passado de repressão. Falo-vos do amanhã no nosso planeta que se antevê crítico. Falo-vos de um futuro que vai desfigurar a vida à nossa volta.
"Estamos a reflorestar a Europa com árvores que não vão resistir até 2100", resumiu Andréia Azevedo Soares, que analisou um artigo publicado esta semana na revista Nature Ecology & Evolution. A nossa floresta vai mudar, mais do que isso: a nossa floresta tem de mudar. É um exemplo notável de uma das principais armas que temos contra a crise climática: a adaptação. Não adianta remendar o mal feito com uma bem-intencionada substituição do que temos a crescer na terra, temos de fazer as coisas de maneira diferente.
O livro Sobre o Céu, de Richards Powers, conta a impressionante história de nove estranhos de vários tempos entrelaçada em raízes, troncos e copas de árvores. Nove vidas que lutam pelo mundo, com as árvores a partilhar um lugar central das histórias.
Algures no meio do livro, o escritor norte-americano dá voz às árvores "que falam pelas agulhas, pelos troncos e raízes". No diálogo, há cinco abetos que "assinam o ar azul", pinheiros-da-praia e pinheiros-cinzentos que avisam que "as respostas demoradas exigem tempo demorado. E é justamente o tempo demorado que está a acabar". Há ainda abetos-negros que, "sem rodriguinhos" notam que o quente se alimenta do quente e o ciclo acelera. Latifólias que concordam, choupos e bétulas que se juntam ao refrão: "O mundo transforma-se em algo novo". E um homem que conclui: "Nada será igual". Nunca nada foi igual, terão respondido os abetos. Mas não precisa ser pior.
A oportunidade de escrever o nosso futuro está noutros temas trados esta semana. O plástico ou o petróleo, por exemplo. Esta semana fechou-se a penúltima ronda de negociações do Tratado do Plástico da ONU com um persistente bloqueio dos lobby da indústria petroquímica que insiste em privilegiar o esforço (há mesmo?) da reciclagem sem perturbar a produção do plástico, contou-nos Clara Barata. Veremos o que acontece até ao final do ano, deadline para fechar o acordo. Porém, já sabemos que enquanto se empata hoje uma decisão óbvia, o amanhã fica cada vez mais comprometido.
No caso dos combustíveis fosseis é a mesma canção. Depois de, na semana passada, lermos a notícia sobre a Galp a celebrar mais uma robusta fonte de rendimento com a descoberta de ouro negro na Namíbia, esta semana convocamos os deuses para abençoar os combustíveis fósseis. Sem reservas e sem vergonha, Ilham Aliyev, Presidente do Azerbaijão (país que organiza a Cimeira do Clima de 2024), disse que vai defender os direitos dos países produtores de petróleo porque ter jazidas fósseis é uma "dádiva" divina.
Mas o que esperar de um país, um dos berços da indústria petrolífera, que em Janeiro anunciou a escolha do ministro da Ecologia, Mukhtar Babayev, que trabalhou durante mais de duas décadas na empresa estatal de petróleo e gás antes de entrar para o governo, para liderar a próxima ronda de negociações sobre o clima a nível global: a COP29? Mais, meus senhores. O mundo espera mais e melhor.
Para um bom exemplo, agarremo-nos com todas as forças aos ameaçados corais. Portugal vai liderar dois projectos de conservação e restauro de jardins de corais afectados pelas ondas de calor no mar Mediterrâneo. É uma boa notícia que, talvez engolida pela actualidade política e económica, não teve a atenção que merecia esta semana.
Mas (também aqui) já temos a certeza de que nada será como antes. Escreve Andréia Azevedo Soares: "Num mundo ideal, tudo seria conservado. Mas não há recursos para proteger todas as populações de corais. "Temos de escolher as populações que vamos conservar ou não. Vamos ajudar nessa escolha, temos de criar prioridades dentro das áreas marinhas protegidas", explica Jean-Baptiste Ledoux [investigador que lidera o projecto], sublinhando que populações que são geneticamente mais diversas têm mais capacidade para resistir às alterações climáticas."
Há muito mais para ler no Azul esta semana. E até há a história de um pedaço do futuro que todos podemos mudar e que não está nas mãos dos barões do petróleo, governos ou cientistas. A análise da Clara Barata sobre o sprint na aprovação de regras ambientais (mesmo com o Pacto Ecológico a andar para trás) confirma os priores receios associando esta onda legal aos efeitos da antecipada vaga da negacionista extrema-direita nas eleições europeias. E isso, esse amanhã, podemos mudar.