Educação para o uso da Inteligência Artificial no ensino “nunca foi tão importante”
Apesar de se tentar uma maior integração do digital nas aprendizagens, os esforços “não chegam”. Estudos demonstram falta de literacia sobre inteligência artificial entre docentes e alunos.
A primeira conferência da nova série de debates do PSuperior aconteceu no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), esta segunda-feira, 22 de Abril. Com a moderação de Samuel Silva, jornalista do PÚBLICO, estiveram presentes Maria João Viamonte, presidente do ISEP; Paulo Peixoto, pró-reitor da Universidade de Coimbra e membro do Instituto Internacional para a pesquisa e Acção sobre fraude académica e plágio e Rodrigo Portela, presidente da Associação de Estudantes do ISEP.
“A fraude académica é tão antiga como a própria academia” foi a frase que deu origem à tertúlia. No entanto, as instituições de ensino superior enfrentam agora um novo problema: a utilização de ferramentas de inteligência artificial (IA). Segundo os intervenientes, os novos avanços tecnológicos “mudaram o acesso e a produção de informação”, algo que as instituições e os próprios docentes ainda não acompanham.
Para Maria João Viamonte, os alunos chegam cada vez mais ao ensino superior com um maior domínio do digital. No entanto, acredita que os mais jovens se têm desprovido de espírito crítico e criativo, por consequência do uso e banalização de ferramentas de IA, utilizando muitas vezes informação que não lhes pertence. “Nunca a ética foi tão importante de ensinar em qualquer nível de ensino. Temos de perceber exactamente a fronteira daquilo que é nosso e o que podemos usar”, acrescentou.
No entanto, as ferramentas não devem ser vistas como entraves e sim como aliados. “Ao marginalizar a IA, só se vai criar um jogo do gato e do rato”, sublinhou Rodrigo Portela. O estudante crê que é necessária uma formação obrigatória para alunos e docentes, que “combata o gap geracional” e que “regule a utilização” das ferramentas. Para além disso, refere que as questões éticas devem ser introduzidas “mais cedo” para uma utilização mais ponderada dos recursos. Mesmo em tom de brincadeira, admitiu utilizar plataformas, como o ChatGPT, para o auxiliar em algumas tarefas: “A partir do momento em que a ferramenta existe e está disponível, o estudante vai utilizá-la”, lembrou.
Combater a "padronização de opiniões"
Mas não são só os alunos que utilizam estas ferramentas. “Não há nenhuma razão para nós não acreditarmos que, se os alunos estão a usar novos dispositivos, os docentes não os usem”, assegurou Paulo Peixoto. De acordo com estudos que o pró-reitor da Universidade de Coimbra levou a cabo, mais de um terço dos estudantes usam IA para “fins mais diversos”, como tradução, brainstorm e melhoria da qualidade do texto. No entanto, os professores acabam também por tirar proveito das mesmas ferramentas para “fins mais concretos”, principalmente quando necessitam de produzir trabalho noutro idioma.
O investigador defende a integração das ferramentas nos sistemas de ensino com “transparência”. No entanto, alerta para a importância da “interacção humana”. “A máquina pode ser um auxiliar importante mas a relação humana é a base da acção pedagógica”, referiu. Em concordância com os restantes participantes do painel, falou-se de uma “padronização de opiniões” potenciada pelo digital e que deve ser combatida.
“Diversos estudos internacionais demonstram que dois terços a três quartos dos estudantes mencionam que não têm tido qualquer formação neste domínio, em nenhuma fase do ensino. Isto demonstra o modo como as instituições estão a lidar com isto”, mencionou Paulo Peixoto. Por sua vez, Maria João Viamonte, que é doutorada em IA, salientou que as acções em sala de aula “não chegam” e que o ensino superior tem dificuldade em acompanhar a rapidez evolutiva da tecnologia. “As ferramentas estão aí e têm de ser incorporadas”, acrescentou.