União Europeia vs Big Tech
A hesitação dos EUA, berço de quase todos os gigantes da tecnologia, em disciplinar o funcionamento dos mercados abriu caminho à UE para liderar a defesa de um setor digital responsável.
Num mundo dependente de meios digitais controlados por poderosas empresas tecnológicas (Big Tech), a UE tem sido pioneira na defesa dos direitos dos cidadãos e das empresas. É importante assinalar este combate em época de eleições europeias.
Os benefícios da transformação digital das últimas décadas são inegáveis. As plataformas digitais, em particular, fazem parte do nosso dia a dia, ligam milhões de pessoas e empresas, permitem aceder, criar e divulgar informação como nunca, debater ideias, adquirir bens e serviços sem limites geográficos, até a preço zero. Contudo, tornaram-se também evidentes os perigos de um setor dominado por um punhado de empresas, cuja principal matéria-prima é informação sobre todos nós, e que através de potentes algoritmos e inteligência artificial desenvolveram impérios com sucesso financeiro estonteante.
Sucessivos escândalos e estudos científicos têm alertado para como as tecnologias digitais facilitam a utilização abusiva de dados pessoais, a polarização de ideias, e a disseminação de mensagens de ódio. O impacto negativo na saúde mental dos utilizadores, em especial dos mais jovens, ou a forma como podem ser instrumentalizadas por regimes autoritários para manipular a opinião pública, são problemas documentados. O poder das Big Tech tem sido mesmo equiparado ao poder dos Estados, pelas múltiplas dimensões – económica, política e cultural – em que se manifesta, e pelo impacto que tem sobre a democracia, os direitos fundamentais, a economia, e a sociedade em geral.
A hesitação habitual dos EUA, berço de quase todos os gigantes da tecnologia (Alphabet/Google, Apple, Meta/Facebook, Amazon, Microsoft), em disciplinar o funcionamento dos mercados abriu caminho à UE para assumir a liderança da defesa de um setor digital responsável. Tal como em outras áreas, designadamente a proteção de dados pessoais ou o ambiente, a estratégia passa por introduzir regras com alcance muito para além das suas fronteiras, já que acabam por ser acolhidas pelas empresas como padrão de atuação para todas as suas atividades. É o chamado "efeito Bruxelas", expressão, da autoria de Anu Bradford (Universidade de Columbia, EUA), que se difundiu e que contraria a ideia de declínio do poder de influência da União Europeia.
É da UE que têm partido as intervenções mais significativas. Só no primeiro trimestre deste ano, passou a aplicar-se legislação inédita, que pretende criar um ambiente digital mais seguro, garantir que os utilizadores são tratados condignamente e estimular a entrada de novos concorrentes (Regulamento dos Serviços Digitais/DSA e Regulamento dos Mercados Digitais/DMA). Duas semanas depois foram abertas várias investigações relacionadas com o incumprimento do DMA. A Apple foi ainda multada em 1,84 mil milhões de euros por práticas anticoncorrenciais na gestão da App Store relativamente aos serviços de streaming de música.
Não faltam críticas à UE, por considerarem as iniciativas excessivas ou, pelo contrário, insuficientes. Para alguns, a ação é proteccionista, é um entrave à inovação e explica que a UE não consiga acompanhar o desenvolvimento tecnológico dos EUA. Outros contrapõem que o fosso se explica por motivos diferentes, desde logo, o acesso mais fácil nos EUA ao financiamento necessário, e uma cultura empresarial menos avessa ao risco. Há também quem defenda que o que foi feito até agora é fraco remédio, e que a única solução eficaz implica desmembrar os gigantes da tecnologia, forçando-os a encolher.
Condicionar a forma como algumas das empresas mais poderosas de que há memória exploram os seus modelos de negócio não é seguramente tarefa fácil. E num setor tão dinâmico será sempre tarefa inacabada, exigindo constante reavaliação dos desafios e objetivos. Muitas expectativas estão depositadas no DSA e no DMA, e os próximos tempos permitirão perceber se produzem os resultados desejados. Uma coisa é certa, a UE não parece inclinada a baixar os braços.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico