Pessoas de verdade, encontradas e livres

À primeira vista, o congresso “Homens e Mulheres de Verdade!” podia parecer-me interessante. O problema começa na forma como os organizadores decidiram abordar este tema.

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Megafone P3: Pessoas de verdade: encontradas e livres! Pexels/ Brett Sayles
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O meu cérebro de cientista fascina-se com a verdade. Foi querer saber como é a verdade que me levou a estudar em detalhe as células e moléculas que mantêm o planeta vivo. É o querer saber porque é que a verdade existe e o que fazer com ela que me atrai ao fenómeno religioso e à fé católica. E foi o querer viver em verdade que me levou a contar aos meus pais que gosto de raparigas, pouco tempo depois de eu própria o ter descoberto.

Assim, e à primeira vista, o congresso dos jovens da Família do Coração Imaculado de Maria, intitulado “Homens e Mulheres de Verdade!” podia parecer-me interessante. É meritório o intuito de ajudar jovens (e pessoas de qualquer idade!) a reflectir sobre a sua identidade e a vivê-la de forma verdadeira. Os problemas começam na forma como os organizadores do evento decidiram abordar este tema. É que ser pessoa (homem, mulher, ou fora de concepções binárias) de verdade implica um trabalho de autoconhecimento e a procura livre de um caminho de felicidade próprio, adequado à sua realidade, como escreve o Papa Francisco e outras figuras da Igreja.

Ora a auto-rejeição proposta pelos organizadores deste evento vai precisamente no sentido contrário ao ensinamento magisterial. Ao convidarem uma psicóloga adepta das chamadas “terapias” de conversão sexual e alguém que se apresenta como ex-gaydeixam implícito que uma mudança de orientação sexual não só é possível como desejável, em contradição com a Lei nº15/2024, o consenso científico, as orientações da Organização Mundial da Saúde, e os códigos de boas práticas de associações e ordens profissionais de psicólogos em diversos países, nomeadamente nos Estados Unidos e em Portugal.

Estas práticas têm consequências graves. Um estudo com mais de 30000 jovens LGBT+ mostrou que a sujeição a estas práticas duplica o risco de suicídio, que é uma das maiores causas de morte em adolescentes, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Isto numa população já com risco de suicídio quatro vezes superior aos seus pares heterossexuais e cisgénero. A falta de estudos limita os dados estatísticos disponíveis sobre o fenómeno em Portugal, mas sabe-se que caracteriza como tortura física e psicológica, e não falta testemunhos sobre a sua brutalidade e impacto dentro do nosso país, como relata um trabalho de investigação publicado pelo site setenta e quatro. Como mulher feliz, orgulhosamente católica e gay, entristece-me e envergonha-me ver certos sectores da Igreja Católica a insistir nestas práticas criminosas e destrutivas, verdadeiros atentados à dignidade da pessoa humana.

Tenho a sorte de ter encontrado vários espaços e comunidades em que posso ser abertamente católica e gay sem levantar sobrolhos, como o Movimento Sopro. Ajudou-me conhecer pessoas com experiências semelhantes à minha (na vida real ou através de livros e filmes), perceber o quão ridículo é levar tudo na Bíblia à letra, e descobrir o mundo da teologia queer. Este caminho mostrou-me que viver em verdade implica expressar a minha identidade em todas as suas dimensões (das mais banais às mais politizadas), de forma livre e em paz. Não apesar da minha fé, mas também por causa dela.

A ti que procuras ajuda nestes congressos, sabe que há outros caminhos. O Deus de amor em quem acreditamos, que nos criou maravilhosamente, não quer que nos anulemos, mas que tenhamos vida em abundância. Há muitas pessoas como nós, que sabem que podemos viver em verdade: de forma encontrada e livre!

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