Quem já esteve internado num serviço hospitalar está possivelmente familiarizado com a vulnerabilidade, a impotência e a incerteza que se instala em nós, muitas vezes sem se perceber bem o que se passou connosco, qual o prognóstico e os procedimentos clínicos que se equacionam tomar. Estes sentimentos são exacerbados em situações como longas estadias nos serviços de urgência. E se existisse alguém que se inteirasse do nosso processo, reunisse com a equipa clínica e fizesse a ponte entre nós e os profissionais de saúde, respondendo a todas as nossas questões?
Essa possibilidade está tipificada na figura internacionalmente conhecida como “patient advocate”, que, de forma muito simplista, é um mediador entre o doente e os profissionais de saúde. As suas principais funções variam consoante a literatura, mas podemos resumir como alguém que informa e esclarece o doente, promove a sua autonomia, direitos e interesses, sendo a sua voz junto das equipas clínicas.
Contudo, este papel não visa diminuir a competência e o dever dos profissionais de saúde em prestar um esclarecimento informado aos seus doentes, nem alheá-los do contacto tão necessário à prática clínica ou criar um entrave à prestação de cuidados. Muito pelo contrário. Face aos desafios que o Sistema Nacional de Saúde enfrenta, com os seus profissionais a terem de realizar várias horas extraordinárias para o preenchimento mínimo das escalas de serviço, torna-se mais difícil um atendimento personalizado e próximo do doente. Ao mesmo tempo, os próprios familiares poderão ter dificuldade em contactar os clínicos, por razões várias, como os horários tardios das visitas ou compromissos profissionais.
Esta prática não está, porém, isenta de riscos. Por isso mesmo torna-se necessária uma discussão alargada e uma legislação bastante clara que defina os limites do "patient advocate", uma vez que um processo de boas intenções poderá redundar na fricção dentro dos serviços e, em cenários mais complexos, substituir-se os princípios de empoderamento e capacitação dos doentes pelo seu paternalismo e infantilização. Esta situação é ainda mais delicada quando existe um comprometimento no raciocínio ou na capacidade de comunicação dos utentes. Por outro lado, regras bem definidas servem igualmente para proteger o próprio "patient advocate".
Em 2022, saíram os resultados do Health Literacy Population Survey Project 2019–2021, um estudo que procurou perceber os níveis de literacia em saúde em vários países europeus. Os investigadores focaram-se nos conhecimentos gerais em saúde que englobam os conhecimentos relacionados com a promoção da saúde, com o acesso aos serviços de saúde e com a prevenção da doença. No caso português, apesar de uma parte significativa da população apresentar níveis gerais de literacia adequados (65%), 22% dos participantes classificaram os seus níveis de conhecimentos como problemáticos e 7,5% como inadequados.
Um dos principais problemas apontados passa exatamente pela capacidade de processar informação relacionada com a prevenção de doenças, mas sobretudo com a capacidade de avaliar a informação que recebem, com 34,1% dos inquiridos a manifestar conhecimentos inadequados ou problemáticos nesta área. Os autores chamam, assim, a atenção para a necessidade de desenvolver esforços que promovam a capacidade de interpretar, filtrar, julgar e avaliar a informação em saúde, bem como de facilitar o acesso aos serviços. Ainda com base no mesmo estudo, existem grupos de pessoas com um risco acrescido para níveis de literacia em saúde mais baixos, como é o caso das mulheres, dos idosos, de indivíduos com menor capacidade económica ou com menor escolaridade.
Neste sentido, uma das formas de melhorar a literacia em saúde da população, e, como tal, os indicadores de saúde, com a redução da mortalidade e morbilidade, poderá passar também pelo "patient advocate". Até porque, com a formação adequada, esta figura poderá ser assumida por líderes comunitários, familiares, médicos e até outros doentes, abrindo-se mais a porta para a democratização, personalização e humanização dos cuidados de saúde.
Pegando no slogan da campanha da DGS para o combate à covid-19, todos podemos ser agentes de saúde pública, todos podemos ter um papel ativo na melhoria das condições do SNS e, nesse sentido, contribuir para comunidades mais saudáveis, com cidadãos mais autónomos e empoderados.