Angola: riscos de uma sociedade civil circular

Em Angola, a denúncia dos abusos do Estado deixou de ser uma estratégia para conquistar a democracia. Uma sociedade civil anestesiada, em modo circular, tem contribuído para a manutenção da ditadura.

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Rafael Marchante/Reuters
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Depois de séculos de subalternidade e opressão, os africanos compreenderam que não bastaria denunciar ataques pontuais do colonizador. A pulsão assassina que caracteriza a ocupação colonial massacrou, pilhou, escravizou, traficou mulheres e homens, desnudou culturalmente e foi para lá do inominável.

Se os nossos antepassados confinassem as suas acções nas fronteiras da denúncia de cada processo acima referido, podemos afirmar com alto grau de probabilidade que ainda hoje a colonização prevaleceria. Capturados pela inteligência da experiência existencial, concluíram que não bastava a denúncia pontual dos massacres do senhor colonial contra o oprimido, não bastava gritar contra a pilhagem, a escravidão, o tráfico do humano e o desenraizamento das civilizações e culturas africanas. Compreenderam que tudo isso era nada mais, nada menos do que os sintomas ou manifestações inerentes à ocupação colonial.

Ou seja, somente o “assassinato” da colonização poria fim a todos os sintomas. Tendo alcançado esta dolorosa consciência, partiram para a longa noite de confronto anticolonial em busca da liberdade política. O que terá acontecido a seguir não é objecto deste artigo.

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Estátua colonial derrubada em Novembro de 1975, no Huambo CILO/Gamma-Rapho via Getty Images

Se colocarmos em paralelo a situação actual de Angola e a colonial clássica, poderemos facilmente concluir que o tempo da denúncia terminou. A era do desgaste da esfinge da tirania acabou há muito. Nada mais há por desacreditar. A natureza do regime está identificada.

As ditaduras não se auto-reformam. Somente variáveis externas a ela podem gerar desequilíbrio na relação de poder e forçar a transformação da cultura política. Perante esta situação, o grupo hegemónico notará o risco de perda total do património material e financeiro. Ao concluir que só a democracia permitiria a preservação dos seus interesses instalados, levaria a cabo uma transformação democratizante forçada.

No contexto de Angola, a experiência mostrou que é impossível. Por isso, somente a explosão do regime levada a cabo por massas populares democratizará o país.

Papel negativo da sociedade civil

Quando a sociedade civil actua sem consciência histórica, ou seja, sem ter em conta as virtudes e erros do passado recente ou longínquo, cai na armadilha da roda. Torna-se “emburrecida” sem se dar conta que fala todos os dias, semanas, meses e anos das mesmas coisas. Está todo o tempo a discutir sobre a privação de electricidade, imprensa livre, água potável, ausência de um sistema de educação, saúde e de justiça, etc.. Repetindo constantemente estes sintomas resultantes do sistema imposto, não só não muda a realidade, mas também não constitui uma ameaça existencial real ao regime, na medida em que tudo isso em conjunto nada mais é do que as folhas, seu vento e sombras. A zungueira será assassinada vezes sem conta; o nosso companheiro será baleado na manifestação; a simulação de eleições privará ao povo a verdade eleitoral, mas mantendo a cooperação criminosa com aqueles que beneficiam patrimonialmente por possuírem assentos no Parlamento, e noutras instituições do Estado capturado.

Quanto aos beneficiários, vai para lá da oposição clientelar, uma vez que a comunidade internacional tem interesses instalados — aquilo que deseja de Angola continua a jorrar. Enquanto beneficiária, também faz parte da equação que combate contra a sociedade civil. Em poucas palavras, desta soberana tragédia nacional, a única vítima somos nós, o povo. E tem três beneficiários: o regime e seus múltiplos parceiros internos; a comunidade internacional constituída pela China, Rússia, o Ocidente no seu conjunto; e Israel enquanto parceiro privilegiado no Médio Oriente, uma vez que apoia Angola em tecnologia de vigilância digital, serviço de informações e treino dos serviços secretos.

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Centro económico de Luanda Sérgio Afonso/iStock / Getty Images Plus

Neste contexto, quando a sociedade civil se limita a denunciar, age como se de uma roda se tratasse. Volta sempre ao mesmo ponto. Nada estrutural muda. O tempo passa. Morremos e o regime mantém-se de pedra e aço. Esta postura da sociedade civil contribui indirectamente para a continuação do regime. É duro, mas devemos admitir com tranquilidade que a nossa luta não logrou êxitos. Apesar de décadas de engajamento cívico-roda, a ditadura endureceu como indicam as avaliações e relatórios internacionais. Isso significa que o caminho seguido até aqui não funcionou. Enquanto uma parcela da sociedade civil fortalece involuntariamente o regime, a outra terá contribuído para fortalecer o tirano no início da jornada autoritária, quando lhe prestaram vassalagem no palácio presidencial.

Assim como devemos admitir que não fomos capazes de lograr êxitos na luta pela construção de uma sociedade aberta, precisamos de reconhecer a dura verdade segundo a qual os cidadãos angolanos estão sozinhos no mundo. O mundo jamais nos vai salvar. Somente nós. Unidos! Até porque o mundo poderoso está todo ao lado do regime angolano. Neste momento, a hipocrisia reinante nas relações internacionais à escala global prefere a “paz podre” com a estabilidade da bala e sangue, à democracia assente sobre os direitos humanos.

Mesmo que de forma inconsciente, a sociedade civil circular contribui para o atraso da sociedade porque é incapaz de propor novas utopias. Novos caminhos de libertação. A sua postura de actuação análoga a uma roda, gera dessensibilização e indiferença. Ou seja, o processo psicológico através do qual o ser humano se acostuma ao mal e a privações nas suas mais variadas manifestações, seja ela a miséria ética, material, espiritual, cultural ou política. É o acomodar-se à pobreza narrativa, socioeconómica e antropológica. Embora a Igreja esteja ao serviço da ditadura, subiu ao cume da sua hipocrisia espiritual e recentemente os bispos da Conferência Episcopal de Angola afirmaram que “os angolanos correm o risco de se habituarem à pobreza e miséria”. Os bispos estão errados. O povo não corre o risco de… Os angolanos já se habituaram a todas as misérias e crises, inclusive a miséria espiritual e moral da própria Igreja e o charlatanismo político destilado pelos movimentos de libertação — considerados formalmente partidos —, mas que não foram capazes de se modernizar.

Raízes da sociedade civil-roda

O trágico não é somente o habituar-se a esta realidade. O mais preocupante é quando aqueles que giram à volta da roda há anos acreditam que são génios, e que estão a fazer coisas extraordinárias jamais feitas na história da Humanidade. É a glorificação da estupidez na sua forma mais refinada. O que é facto é que tais acçõezitas já foram feitas há dez, vinte anos. Não funcionaram. Bastaria falar com as pessoas e ler um pouco.

Como chegámos a este círculo vicioso? Quis são as causas fundantes de uma sociedade civil que gira em volta do seu próprio eixo, que glorifica a sua própria rotina como expressão de criatividade?

Do meu ponto de vista, existem oito razões.

Influxo da sociedade civil internacional. Sem fazer um recuo histórico longínquo, limitaria a análise ao final da década de 1980 e início de 1990 até aos nossos dias. Por causa do conflito armado, inúmeras organizações internacionais e agências das Nações Unidas instalaram escritórios em Angola. A implementação de projectos requereu o recrutamento de muitos angolanos que emularam a mesma lógica de actuação destas instituições. Uma vez que eram organizações provenientes de países democráticos, a sua actuação seguiu o mesmo caminho em Angola. O regime não os intimidava porque havia um conflito e muitas instituições tinham mandato das Nações Unidas.

Nos anos que se seguiram, os angolanos que trabalharam nestas instituições reproduziram o mesmo modelo de sociedade civil no interior de uma ditadura no período pós-conflito. O insucesso desta instituição era previsível porque estavam a aplicar um modelo democrático de sociedade civil no interior de uma ditadura.

A sociedade em si. Os seres humanos são resultantes do seu tempo (período histórico concreto) e do seu meio, com todas as suas virtudes e vícios. O nível, grau e forma de actuação dos membros da sociedade civil angolana é resultante do estágio de atraso da sociedade na qual somos todos originários, embora possa haver excepções individuais. A estas excepcionalidades singulares, Pierre Bourdieu trata-as como sendo “fuga do sistema”.

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Venda de fruta debaixo de um guarda-sol do MPLA, em Luanda, em Agosto de 2022 Siphiwe Sibeko/Reuters

Qualidade da educação. Esta categoria bem podia ser tratada no interior da anterior: a sociedade em si. Prefiro analisá-la de forma separada pela sua relevância no interior de uma comunidade nacional. A escola pode destruir o sujeito ou erguê-lo como uma entidade crítica e liberta. Uma escola sucateada, condicionada ideologicamente, é um instrumento de aniquilamento do sujeito e, por conseguinte, leva à falha da “nação”. Não é possível construir uma sociedade civil de qualidade quando os sujeitos que a operam são resultantes de uma educação opressora e ao serviço de uma tanato-ideologia.

Fontes de financiamento. Ao longo de décadas, o regime tem inviabilizado as fontes internacionais de financiamento para a sociedade civil angolana. As que existem, muitas chegam a acordo com os agentes da ditadura sobre que assuntos devem ser financiados e que abordagens devem ser prioridade absoluta. As organizações e grupos informais que dançam o beat dos sintomas e não questionam a raiz do problema constituem prioridade. Aquelas que questionam a raiz dos problemas e desejam eliminar esta raiz são afastadas sem contemplações. Aquele primeiro papel é desempenhado na perfeição pela União Europeia há décadas. Em conjunto com o Governo angolano, terão promovido o Programa de Apoio aos Actores Não-Estatais (PAANE) cujos objectivos para fins mediáticos pareciam nobres. Na realidade, o programa representava uma captura perfeita da sociedade civil angolana. O modus operandi continua até aos nossos dias.

Perante a falta de fundos para a sociedade civil a nível interno (também não seria diferente porque as ditaduras não financiam a sociedade civil autêntica), os actores não-estatais dependem de linhas de financiamento de fontes externas, cujos assuntos a ser financiados estão previamente definidos e alinhados com a agenda da ditadura para que a sociedade civil continue a gritar e a girar à semelhança de uma roda. Ou seja, continuará a sua rotina para não mudar nada e os beneficiários tradicionais da ditadura continuarem a dançar ao som do batuque da tirania com tentáculos transnacionais.

Em termos sumários, as poucas fontes de financiamento das quais a sociedade civil angolana depende não permitem que se faça aquilo que realmente importa, aquilo que é necessário e essencial para o país. Interessa-lhes este quadro porque, mantendo a ditadura e o povo violentado por todas as privações, viabiliza a continuidade da pilhagem dos recursos. Fazem tudo o que é necessário para financiar organizações e indivíduos cuja acção não representa ameaça a convergências e consensos de interesse da comunidade internacional e da ditadura.

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Menino numa escola de Luanda, em 1975, pouco depois da independência de Angola, a 15 de Janeiro do mesmo ano Wilson-Damas/Pix/Michael Ochs Archives/Getty Images

Incapacidade de gerar e estabelecer uma agenda estrutural. Perante a armadilha giratória, a democratização tarda. Ante o desespero gerado pela miséria material crescente, qualquer charlatão que se apresenta a mando do regime, manipula a sociedade civil que a serve para fins evidentes: aterrar nas instituições da ditadura e dela colher os benefícios patrimoniais, tal como sucedeu no simulacro eleitoral de 2022. Somente uma sociedade civil crítica individual e colectivamente sabe ler os sinais dos tempos e compreende que a unidade com grupos estranhos a ela somente funciona no caso de existir uma agenda comum construída de forma conjunta e ética. Ao contrário da submissão a que assistimos, qual cavalo e cavaleiro, onde um serve os interesses do outro.

Vazio de consciência histórica. Evoquei alguns fragmentos sobre esta ausência. Revisito o tópico porque é igualmente importante. Agir sem consciência do passado, com os seus erros e sucessos, conduz a outros erros de cálculo, de actuação e insucessos, tal como temos assistido ao longo de anos.

Engajamento cívico e psicodependência mediática. Esta causa é psicológica. Para ser mais preciso, tem que ver com uma questão de carácter e personalidade. Em função do carácter das pessoas, elas fazem determinadas escolhas no exercício da liberdade em sentido amplo. Dados empíricos demonstram, sem margem para dúvidas, que a exposição mediática gera psicodependência a certas pessoas. O mundo das celebridades cor-de-rosa em diferentes sociedades está repleto de histórias de indivíduos que inventam factos dos mais bizarros possíveis para receberem atenção da imprensa com vista a obterem recompensa emocional. Para muitos sujeitos, a exposição mediática dá-lhes a sensação emocional de serem muito importantes.

Numa sociedade onde a psicologia popular confunde exposição mediática com criatividade, realização e inteligência, uma vez que os membros da sociedade civil também padecem das mesmas mazelas da sociedade da qual somos todos originários, então priorizam o “activismo piromaníaco e mediático” em detrimento do racional, do cuidadoso, do sistemático de médio e longo prazo que pode transformar a sociedade para o melhor.

O engajamento cívico oposto ao “activismo patológico” (este que busca destaque na imprensa a todo o custo) não é compatível com o auto-recolhimento, o silêncio criativo e a imobilidade criadora, com o planeamento estratégico fundado na razão, na experiência histórica e na ciência. Esclarecimento: não estou a defender títulos académicos para levar a cabo engajamento cívico de qualidade. Mas gostaria de aproveitar para informar que inúmeros países estão a leccionar sobre liderança cívica, a respeito do pensamento para a transformação e justiça social nas suas universidades. Ainda assim, estou profundamente convencido de que esta formação não é necessária para uma luta cívica de qualidade, tal como ocorre no Gana, na África do Sul, Cabo Verde, etc.. Com a devida ressalva: são democracias! Na maior parte das vezes, o que é objecto de cobertura mediática desaparece como espuma ou fumaça. Não tem nada de substancial para transformar estruturalmente um país de uma ditadura para a democracia. Não tem nada de perene.

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EMANUEL PAIVA

A liberdade interior. Uma vez que estamos a analisar as lutas cívicas tendo em conta esta dimensão interior, a liberdade, é relevante afirmar que deve haver indivíduos que sabem que o que fazem não mudará nada no país (isto também é válido para muitos políticos que até confidenciaram que sabem que estar nas instituições a exemplo do Parlamento não tem relevância nenhuma para o país). Voltemos ao nosso objecto de análise.

Mas entendem — estes membros da sociedade civil — que é demasiado arriscado para a integridade física aplicar uma agenda de transformação real, por isso, preferem continuar a seguir a orientação dos financiadores traduzida em trabalho repetitivo. Em última análise, o antropólogo britânico David Graeber diria que estão presos a fazer “trabalho de merda”, entendido como sendo “uma forma de [trabalho] que é tão completamente inútil, desnecessário ou pernicioso que nem o próprio trabalhador consegue justificar a sua existência. Uma lógica perversa, baseada em valores caducos apropriados por uma elite privilegiada, obriga-nos a passar mais horas do que o necessário nos nossos trabalhos, a desempenhar tarefas de utilidade duvidosa para a sociedade, se não mesmo a inventar distracções para matar o tempo.”

Neste sentido, a escolha livre das pessoas em conjunto com o instinto de sobrevivência induz os sujeitos a continuarem as suas actividades perniciosas — garante-lhes caminhos de sobrevivência. Seja por meio de “ofertas” dadas pelo regime quando são cooptados, seja fazendo aquilo que os doadores internacionais concedem para mantê-los entretidos à semelhança dos putos no parque, enquanto a realpolitik, nos bastidores, segue o seu curso.

Outra dimensão psicológica da luta não menos importante é o desgaste e o cansaço emocional dos sujeitos que compõem a sociedade civil. A luta é árdua porque ela é travada contra selvagens implacáveis. Muitos membros da sociedade civil sabem que as actividades rotineiras não mudarão a situação, mas é a única que são capazes de fazer porque são simples e permitem justificar-se perante os seus parceiros. O contrário requer muito mais, tanto física como psicologicamente. Recursos há muito destruídos pela força destrutiva da tirania.

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Mercado de rua num bairro de lata em Luanda Artur Carvalho/Getty Images

O artivismo aprofunda o problema

A arte como instância de luta e transformação social tem uma grande tradição global. No contexto de Angola, o teatro e a música têm sido um veículo essencialmente de denúncia, reactivos à situação trágica em que o país se encontra. Temos o hip-hop de intervenção social e política, manifesto em músicas cujas letras se limitam a descrever as consequências/sintomas da forma como o país está capturado; o efeito psicológico destes beats nada mais causa do que risadas da parte daqueles que ouvem. Podem causar tristeza a uns, e o mais grave: induzem à insensibilidade. Leva as pessoas a descarregarem as suas tensões e dores emocionais e a seguir acomodam-se perante a realidade, cujas músicas a apresentam de forma nua e crua, mas não são capazes de propor saídas revolucionárias globais tal como aconteceu na arte produzida na era colonial.

A arte de combate anticolonial não só denunciou, não só descreveu a realidade horrorosa, mas afirmou com clareza que somente o fim da colonização poria termo à escravatura, à segregação racial, à negação das culturas e civilizações africanas. A incapacidade dos artistas actuais de darem o salto da constatação (sintomas/diagnóstico) para o antídoto, contribui indirectamente para a manutenção do regime, mesmo que eles não estejam conscientes, uma vez que psicologicamente a denúncia até à exaustão funciona como calmante que gera relaxamento para aquele que ouve, mas não elimina a fonte do problema.

Se olharmos para a era veterotestamentária, notaremos com relativa facilidade como os profetas denunciavam e em seguida anunciavam a boa nova. Ou seja, a denúncia gera o vazio emocional, ideológico, político e ético. Isto não serve. E agora? O que vem a seguir? Como e o que fazer para nos livrarmos daquilo que não serve? E o que colocar para preencher o vazio? Estes artistas são incapazes de completar a equação da libertação porque são produtos de uma sociedade profundamente imobilizada quando comparada com o resto do mundo. Em conjunto com outras expressões da sociedade civil, contribuem para manter todo o país capturado no tubo de ensaio da ditadura, no qual os indivíduos agem como ratos de laboratório cujo movimento interminável gera a ilusão de libertação iminente. E prevalece o eterno retorno.

Coda

Para encerrar esta análise, gostaria de dizer que escrevo porque continuo profundamente preocupado com o nosso destino colectivo. Apesar das fraquezas da sociedade civil angolana — da qual faz parte o povo —, “parece” ser a única solução viável para a nossa libertação. Parece-me que somente ela pode conduzir uma libertação ética e democrática que passa pela colectivização da luta. Nenhum partido com os seus messias ou eleições realizadas em contexto de ditadura poderá salvar o povo angolano.

Àqueles membros da sociedade civil genuinamente interessados na transformação do país, proponho que evitem actividades rotineiras e que provaram ser ineficazes no combate contra uma ditadura. Mas para isso precisam de dialogar com os seus parceiros sobre as prioridades temáticas e metodológicas a serem implementadas num contexto ditatorial conduzido por selvagens orgulhosos do seu estado de natureza.

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Silva Pinto/Getty Images

Este diálogo tornou-se urgente e inadiável na era das incertezas na qual a era dos direitos humanos terminou, tendo em conta a forma como o mundo lida com esta matéria nos dias que correm. Estes valores com potencial e vocação universal são hoje cada vez mais questionados.

Eu acredito profundamente que a nossa libertação colectiva passa pela aplicação do desafio político que é equivalente à desobediência civil ou luta não-violenta, à semelhança do que fizeram Rosa Parks, Nelson Mandela, Martin Luther King, entre outros. Mas estou humildemente aberto a outras propostas estratégico-metodológicas desde que haja evidências provadas de sucesso e que sejam caminhos fundados num quadro ético.

Finalmente, minha/meu companheira/o de luta nobre pela democracia, livre-se do círculo vicioso de uma sociedade civil-roda, cujo sinónimo é a sociedade civil circular. Livre-se de actos ilusórios que fazem o futuro ser o equivalente ao passado e ao presente. Livre-se do eterno retorno.


Investigador na Universidade de Saragoça

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