Saya anda à procura de casaco para ir ao Tremor, nos Açores, e de casa para morar no Porto (“partilhem para ajudar esta DJ ansiosa”, por favor).
Há um ano que a DJ-activista de Santiago de Compostela aqui vive, correndo os bares e espaços de clubbing da cidade. Também não é uma desconhecida de Lisboa, mas esta vai ser a primeira noite num festival português.
Estreia-se no Tremor, com um set de música electrónica de influências árabes (palestinianas, sobretudo), muito kuduro, dabke e algum baile funk brasileiro, que todos juntos e mixados “contam uma história de resistência”, com visuais feitos ao vivo pela artista digital Bárbara Paixão.
“Eu quero exaltar e mostrar todas as expressões culturais que há na Palestina. A dança tradicional, que é o dabke, a simbologia da oliveira, que é a resistência, a chave simbólica que abre todas as casas para toda a gente que quer voltar ao seu território e recuperar as terras palestinianas”, descreve Saya Mohamed, 33 anos, filha de pais palestinianos emigrados na Galiza. “Não me quero focar na guerra porque é um tema muito difícil – ou melhor, não é difícil, é muito triste para um lugar de noite.”
Isto conta-se através de uma criteriosa selecção e pesquisa sonora com muitas coordenadas e culturas. “E de mim, com a minha corporalidade, com a história da minha família, do sítio de onde venho”, resume.
A colecção de música começa nos anos 1990, aos seis anos, com cassetes piratas das Spice Girls e dos Backstreet Boys, que gravava da rádio ou que o tio lhe trazia das passagens pela Jordânia. Vieram os 2000 e Saya passava horas a fazer CD e playlists para amigos “sem nunca pensar que aquilo poderia ser um trabalho”.
A noite da passagem de ano de 2012 mudou isso. Começou a ser DJ residente no club La Radio, em Santiago de Compostela, e passou para os outros “onde nunca via uma mulher a tocar”. Um ano de Erasmus em Faro (Estudou e trabalhou em farmácia até 2022. Porquê? “Pai médico, pais árabes”, ri-se, “esse pensamento intrusivo volta muitas vezes”.) levou-a até às “músicas electrónicas globais”.
“Aceitando ser multipotencial”
Agora, descreve-se como “multi-estilos” e “multipotencial”. “Eu sou capaz de fazer muitas coisas. E acho que sou medianamente boa em todas. Comecei a pesquisar se havia uma explicação para isto.” O YouTube tinha, claro, várias. “Achei vídeos a falar de pessoas multipotenciais e, uau, acredito que isto pode ser o que eu acho que sou.”
Fotógrafa analógica, poliglota, cuidadora, produtora ou programadora cultural: tudo isto é potencial, tudo isto é real. Chega à entrevista a ouvir rap, tomou banho a escutar piano. Depois de farmácia e do curso de técnica de som, em 2023 ganhou a bolsa para estudar Music Business na Arda Academy, com uma candidatura onde falava sobre descolonização e anti-racismo no sector cultural e sobre a diferença entre inclusão e acessibilidade.
“Para mim, faz todo o sentido. Quero saber como fazer para mudar a estrutura toda e não só quem tu chamas para fazer DJ, que já é forte. Às vezes, percebo-me como uma token, a preencher a quota x, falo com os programadores e não têm nenhuma linha política, é mais comercial do que outra coisa”, diz. “Se não tiveres um discurso, passas música por passar música. Não tens de ter activamente um discurso político, mas se há um lugar que apoia o genocídio e eu vou tocar lá, para mim não faz muito sentido. Não é cultura, não é música.”
Vai começar por programar uma residência mensal na Musa, Sayisfaction, ou seja, tudo o que a satisfaz. “Não é um club, é uma cena muito mais tranquila, mais de tarde, de estar com as pessoas e socializar, ter mais tempo de qualidade. Também estou nessa procura de sair da noite e programar de dia”, manifesta. “Eu como público não me sinto confortável em muitos espaços. A minha utopia seria construir esse tão apreciado espaço seguro que é muito difícil e que não existe.”