Do Estado da Educação
Fatores como envelhecimento do corpo docente, ausência de formação inicial e periclitante sustentabilidade da qualificação profissional têm contribuído de modo significativo para a falta de docentes.
Os relatórios sobre o Estado da Educação apresentam dados que permitem olhar de um modo mais objetivo para os sistemas educativos, de forma a procurar as respostas mais adequadas para a resolução dos problemas identificados. O seu contributo reforça a abordagem baseada em evidência de dados, embora com a tendência para serem mais estatísticos do que qualitativos, num contexto de monitorização, bem como de avaliação (nem sempre intencional ou deliberada) de políticas educativas.
Podem ser citados os mais recentes relatórios quer do Conselho Nacional de Educação (CNE), que analisamos de modo pormenorizado, quer do Banco Interamericano de Desenvolvimento, elaborado para a América Latina e Caraíbas, quer ainda da OCDE, com o Panorama da Educação 2023: Indicadores da OCDE.
O Relatório Estado da Educação 2022 (Edição de 2023) apresenta sínteses estatísticas que permitem “caracterizar, analisar e avaliar a evolução do sistema educativo e formativo português” em domínios principais, por exemplo, ofertas de educação e formação, recursos humanos (população discente e docente) e financeiros e ainda resultados (certificação, desempenho e qualificação/emprego).
Além disso, e seguindo uma prática que vem de relatórios anteriores, o CNE apresenta perspetivas e recomendações para o desenvolvimento das políticas públicas de educação em torno de cinco eixos problemáticos: 2º ciclo do ensino básico; inteligência artificial e as suas relações com as múltiplas dimensões do sistema educativo e formativo; ensino artístico especializado; ensino profissional; novas demografias na conceção de um sistema aberto, livre, inclusivo e socialmente responsável.
Destacamos, neste texto, os indicadores relativos à educação pré-escolar e aos ensinos básico e secundário, com uma breve referência à formação de educadores e professores no ensino superior, cuja análise contribui mais para um retrato global de contextos específicos de educação e formação do que para uma efetiva avaliação de políticas educativas, mesmo que esta última seja dominada pela conceção, nem sempre explícita em regimes democráticos, de que as políticas são avaliadas através de eleições.
Numa avaliação de políticas educativas, e não globalmente percecionadas pela intuição pragmática, os referentes mais tidos em conta são as metas estabelecidas a nível nacional, geralmente em linha, no caso de Portugal, com estratégias e metas definidas pela União Europeia e por organizações transnacionais, sobretudo as que integram a Agenda 2030.
O retrato global de 2022 é expresso pelos dados apresentados em função de vários indicadores (nacionais e internacionais) que necessitam de ser analisados num espaço de tempo suficientemente abrangente.
Assim, mantém-se a tendência crescente, na última década, não só da taxa real de pré-escolarização na educação das crianças dos 3 aos 5 anos (93,3%), com uma tendência de variação positiva de 5,7%, mas também da taxa real de escolarização no ensino básico (100% no 1º ciclo, 90,5% no 2º ciclo e 93,7% no 3º ciclo) e no ensino secundário (88%).
Frequentam o ensino básico geral 98,4% de alunos, distribuindo-se os restantes por outras ofertas.
No ensino secundário, a maioria dos alunos frequenta cursos científico-humanísticos (60.3%), estando em cursos de dupla certificação 37,8% dos alunos, bastante aquém da meta de equilíbrio dos dois percursos formativos e da sua permeabilidade curricular, para que o aluno não seja confrontado com escolhas estanques e inflexíveis.
O abandono escolar e a desistência – e não se trata da taxa de abandono escolar precoce que abrange a população jovem dos 18 aos 24 anos sem o ensino secundário e que não está em formação, tendo aumentado, em 2023, para 8%, um ponto abaixo da média estabelecida pela União Europeia, pelos dados da Eurostat – tem registado um decréscimo contínuo, pelo que a taxa de 6% confere a Portugal um lugar de destaque na média da União Europeia (10%), sendo a meta de 9%.
Por níveis/ciclos de educação e ensino, o número de crianças, jovens e adultos inscritos/matriculados em 2021/2022 perfaz o total de 2.025.082, isto é, 3% abaixo do valor (2.147.430) observado em 2012-2013. A tendência de descida verifica-se em todos os níveis ou ciclos, com a exceção do ensino superior, com uma taxa de crescimento de 6,74%. As taxas de descida são as seguintes: 1,46% na educação pré-escolar; 8,2% no 1º ciclo; 8,6% no 2º ciclo; 7,8% no 3º ciclo; 0,2% no ensino secundário; 31,3% no pós-secundário.
Na educação pré-escolar, a distribuição percentual das crianças é maioritária nas que têm 5 anos (34,7%) ou 4 anos (32,3%) e minoritária nas que têm 3 anos (27,8%) ou 6 anos ou mais (5,2%). No ensino básico, e por ordem decrescente, 41,1% dos alunos frequentam o 1º ciclo, 35,9% o 3º ciclo e 23% o 2º ciclo.
Em termos de sistemas de ensino, o público predomina face ao privado em todos os níveis de educação e ensino, com valores mais próximos na educação pré-escolar (54,1%/45,9%) e mais distanciados no ensino pós-secundário não superior (99,6%/0,4%), no ensino básico (87,3%/12,6%), no ensino superior (81,1%/18,9%) e no ensino secundário (75,1%/24,9%).
No ensino secundário, a frequência dominante é a de cursos orientados para o prosseguimento de estudos (60,3%) face aos cursos com dupla certificação (39,7%).
A taxa de transição/conclusão do ensino básico é de 96%, com valores mais altos no 1º e 2º ciclos, sendo a taxa de conclusão no tempo esperado de 92%, para os três ciclos, numa tendência de melhoria dos percursos diretos de sucesso; no ensino secundário, a taxa de transição/conclusão é de 91,4%, com taxas de conclusão no tempo esperado de 79% nos cursos científico-humanísticos e de 70% nos cursos profissionais.
Esta mesma taxa aplicada aos alunos com Ação Social Escolar é quase similar nos cursos profissionais (69%), mais distante nos cursos científico-humanísticos (69%) e mais próxima no ensino básico (87,6%), se bem que os dados apresentados no Relatório nem sempre sejam coerentes quando referidos em gráficos e no texto.
Quanto à taxa de retenção e desistência, os dados evidenciam uma tendência de diminuição: 3,1% no ensino básico, com valores mais altos no 3º ciclo, e 8,6% no ensino secundário.
Com efeito, as taxas referidas traduzem uma evolução muito positiva, pelo que, citando-se o Relatório, “o sistema educativo está a qualificar mais pessoas e com níveis mais elevados de qualificação, em todas as ofertas educativas e formativas.”
A internacionalização dos alunos nos ensinos básico e secundário é crescente (79.796) e diversa (235 países/categorias de países), correspondendo aos seguintes dados: no 1º ciclo, uma em cada dez crianças é estrangeira; no ensino básico 9,3% têm nacionalidade estrangeira, sendo de 7,9% no ensino secundário, registando-se, neste último nível, 246 nacionalidades, com destaque para a comunidade brasileira (40,3%).
Acerca dos alunos que beneficiam da Ação Social Escolar (ensinos básico e secundário, rede pública), 19,1% situam-se no escalão A, 15% no escalão B e 5,2% no escalão C, com ligeiras diferenças na educação pré-escolar: 13,9% (escalão A); 11,2% (escalão B); 3,6% (escalão C).
Nas medidas de apoio à aprendizagem e à inclusão de alunos, no seguimento da aplicação das medidas de educação inclusiva, sobressai o 3º ciclo (20.810), seguido do 1º ciclo (18.829), do 3º ciclo (13.427) e do ensino secundário (10 107).
O Relatório de 2022 integra alguns indicadores relativos à qualidade das aprendizagens, considerando como resultados de qualidade as classificações de 4 ou 5 valores (ensino básico), classificações iguais ou superiores a 16 (ensino secundário) e níveis 5 e 6 de proficiência (Teste PISA 2022).
As classificações finais dos três ciclos do ensino básico apresentam resultados numa tendência contínua de melhoria em termos de conclusão, embora com resultados menos positivos, como se constata no Relatório do CNE: no 1º ciclo, maiores dificuldades a Português, nos 1º e 2º anos, com 7% e 8% de alunos com avaliação “Insuficiente”, e a Matemática, no 3º e 4º anos, com 5% e 6%; no 2º ciclo, as disciplinas em que menos alunos têm classificações elevadas são as de português e matemática; por sua vez, no 3º ciclo, a disciplina em que menos alunos conseguem recuperar no ano seguinte é a de matemática. No conjunto das classificações médias destas duas disciplinas nos referidos ciclos, os valores são muito próximos (português: 3,6 e 3,4; matemática: 3,5 e 3,3).
Nas provas finais do ensino básico (aplicadas no 9º ano em 2022 como provas de aferição e depois do interregno de dois anos provocado pela pandemia), a média final é de 2,9 a português e de 2,5 a matemática, sendo a percentagem de alunos com classificação igual ou superior a 3, respetivamente, 63% e 42%.
Os resultados das provas de aferição (muito diferentes de exames nacionais ou de provas finais, porque não apresentam escalas de desempenho e não têm impacto na progressão dos alunos) indicam que, independentemente do ano ou das áreas disciplinares, os itens que exigem domínios cognitivos mais complexos têm percentagens de acerto mais baixas, o que configura uma aprendizagem essencialmente nivelada pelos domínios do conhecimento (ou da memorização, que é a base do conhecimento) e da compreensão.
A média nacional das classificações obtidas nos exames nacionais (com mais de 5000 alunos) varia entre 12, 5 e 10,7 (em matemática A é de 12,2 e em português 11,5). Tais classificações, analisadas em função do indicador de Ação Social Escolar revelam diferenças desfavoráveis aos alunos com necessidades socioeconómicas.
Dos resultados do Teste PISA 2022, o Relatório apresenta uma síntese por domínios de literacias, sendo de citar os dados do Relatório do IAVE (Edição de 2023) em que os níveis 5 ou 6 de proficiência considerados top-performers é conseguido por 6,7% dos alunos portugueses a matemática, seguindo-se 4,9% a ciências e 4,7% a leitura, representando um distanciamento da média da OCDE de 2%, 2,6% e 2,5%, respetivamente.
O Relatório não deixa também de focar a falta de docentes, apresentando-a mesmo como um dos principais desafios. Pertencendo 87% de docentes ao ensino público e 13% ao ensino privado, essa falta atinge essencialmente o ensino público (sendo de 75% ou mais a taxa de integração no quadro da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário).
Fatores como envelhecimento do corpo docente, ausência de formação inicial, dada a fraca atratividade da profissão docente, e periclitante sustentabilidade da qualificação profissional têm contribuído de modo significativo para a falta de docentes, no presente e também no futuro, optando o CNE por apresentar resultados bem conhecidos e pela formulação, entre outras, da seguinte questão: “como devolver aos professores a essência e a centralidade da sua profissão: ensinar como a arte de fazer aprender, desvinculando a sua atividade profissional de um conjunto de saberes técnicos e tecnocráticos?”
Esta questão, a que deve ser associada uma exigente formação inicial nos diferentes saberes que a profissão docente impõe nos seus diversos contextos, parece ser contrariada pelas recomendações avançadas pelo Painel de Alto Nível da ONU (Edição de 2024) sobre a transformação da profissão docente.
A utilização de professores contratados ou de pessoal não qualificado deve ser promovida de imediato com o objetivo de responder à falta global de professores, aliás como revela o PÚBLICO na edição de 2 de março.
Se bem que muitas das ideias expressas nesse texto da ONU sejam abordadas no seguimento do Relatório Reimaginar os nossos Futuros Juntos: um novo contrato social para a Educação (UNESCO, 2021), as recomendações aplicam-se a nível global e não necessariamente a muitos países que deram passos significativos na qualificação dos seus docentes.
Por outro lado, o mesmo Painel propõe que é preciso “assegurar a dignidade da profissão docente através da garantia de direitos em matéria de salários, condições de trabalho e condições de emprego”, proporcionando também “dignidade aos estudantes e aos países através do acesso a uma educação de qualidade, que é fundamental para a construção de economias e sociedades prósperas.”
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990